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30.9.02

Dado que não houve qualquer motivo para que o tráfico resolvesse mostrar seu poder de fogo justo a uma semana das eleições;

dado que nenhuma favela foi invadida, nenhum grande líder do tráfico morreu para que se decretasse o fechamento dos estabelecimentos comerciais por toda a cidade e região metropolitana;

dado que o passado condena as pessoas que seriam beneficiadas por uma farsa desta envergadura;

dado que a possibilidade de Benedita da Silva, atual governadora do Estado do Rio de Janeiro (leia-se responsável pela segurança pública do estado) e candidata a permanecer no cargo, chegar ao segundo turno com Rosinha Garotinho tira definitivamente Solange Amaral, candidata do prefeito César Maia do páreo;

publico aqui trecho de uma reportagem da revista Época e um texto que escrevi em 25/05/2001 e na mesma época publicado na Crônica do Dia, descrevendo caso semelhante já ocorrido, posterior ao citado no tal livro.

Por favor, como cidadãos, leiam e tirem suas próprias conclusões:

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Admitidos como prática política, os rumores dispõem de propagadores de plantão no cenário nacional. Com as lorotas que conta sobre a própria biografia, Anthony Garotinho já pode ser definido como o autoboato. Outro profissional muito aplicado desse mercado negro, que não demonstra o menor constrangimento em valer-se de informações falsas para tentar iludir a população e colher benefícios, o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia (PFL), revela no livro Política É Ciência como inventou um burburinho para prejudicar a candidatura de Sérgio Cabral, adversário de seu seguidor Luiz Paulo Conde nas eleições de 1996. O prefeito diz que ordenou a um assessor de campanha: ?Pegue o celular e mande colocar 150 pessoas em botequins tomando cafezinho e dizendo: ?Eu soube que Sérgio Cabral vai renunciar...? Dali a três dias alguém veio me dizer: ?Serginho vai renunciar, vai renunciar...?? No dia 4 de março, Maia aplicou esse golpe mais uma vez, num esforço para tirar do noticiário o R$ 1,34 milhão em dinheiro vivo encontrados na empresa de Roseana Sarney e de seu marido, Jorge Murad. ?Foi uma manipulação PF-PSDB-ÉPOCA?, mentiu o prefeito.
(retirado daqui)

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POLÍTICA DE BOTEQUIM
(Carla Cintia Conteiro)


- O Salgueiro vai descer.
- Me disseram que o Turano também.
- Por que que aquele povo tá correndo?
- Sei lá, mas não vou ficar aqui esperando para saber.

As lojas da Praça Saens Peña e adjacências baixaram as portas. Todo mundo sabia: o morro ia descer. Pânico! Mães foram buscar os filhos mais cedo na escola. Pelo telefone, parentes e amigos recomendavam que a Tijuca fosse evitada a qualquer custo. O zunzunzum alastrava-se como fogo pela cidade. O policiamento da área foi reforçado, mas os comerciantes, temendo o pior mantiveram seus estabelecimentos fechados. Quem não tinha outro jeito passava pela Rua Conde de Bonfim agarrado à carteira e à bolsa e com olhos na nuca, preparado para atirar-se ao chão ou sair em disparada mediante qualquer ruído ou movimento suspeito. Nunca num só dia tantas pessoas arranharam joelhos e mãos ao som do motor de um fusca velho.

A tarde do apocalipse acabou, vieram a noite e a madrugada, o dia amanheceu e a Igreja de Santo Afonso ainda assistiu a passos, ouvidos e olhos desconfiados desfilando pela vizinhança, apesar de nada, absolutamente nada além de pequenos sustos, terem acontecido na véspera. Os policiais continuavam de plantão. Surpresa: paz!

As investigações comprovaram que um enorme boato tinha acontecido. Só mesmo uma população receptiva a tragédias e calamidades levaria a sério a história de que uma comunidade pacífica como a do Salgueiro ia tomar o asfalto de assalto. Apenas quem não entende nada de política de tráfico pensaria que os chefões deixariam um evento destas proporções acontecer e atrapalhar seus negócios.

- Eu sabia que só podia ser balela. Só liguei prá Glorinha e fui prá casa mais cedo porque nunca se sabe, né?
- Eu também. Mas a gente nunca sabe direito o que se passa na cabeça dessa gente... Ficam lá em cima só fazendo filho e pensando besteira... Mas ainda bem que foi só história... Vamos ali tomar um cafezinho?
- Claro! E você, hein? Já escolheu seu candidato?
- Eu ia votar no Conde, mas depois do susto que passei ontem... O César Maia é meio doido, mas, sei lá...

Discretamente, os jornais publicaram um trecho de um livro do prefeito que sairia das urnas logo depois. Lá ele ensinava a arte do boato. Bastava plantar em pontos estratégicos da cidade _ nos botequins, é claro _ indivíduos pagos pelo mentor do rumor, que divulgariam a história, recheando com citações de fontes seguríssimas.

- Olha... (pausa... uma olhada discreta para os dois lados... braço do interlocutor entre os dedos...) Meu primo trabalha na PM, tá sabendo? Sabe o que mais? Tão reforçando o policiamento aqui por essas bandas... Descobriram um plano dos traficantes, xará... O morro desce hoje. Éééé, mermão... Eles querem mostrar quem é que manda. Tá me entendendo? Isso aqui vai virar uma praça de guerra, cumpadi. Se eu fosse tu, fazia que nem eu: tomava a saideira e sartava fora.
- Ô, Zé! Põe um pingado aqui prá mim rapidinho, que eu não tô a fim de dar bobeira por essas bandas hoje não. Tu não sabia? Tão falando que o Salgueiro vai descer. Vai ser um auê dos bons...

Sempre fui fascinada por botequins. Cada um tem seu espírito, sua identidade, sua própria dinâmica e porcaria. Não são apenas fontes de boatos ou local barato de lazer. São, antes de tudo, bom termômetro do ânimo da sociedade. Parar e ouvir o que se passa nestes redutos de carioquice é tema de arte e entretenimento.

Junto com o maço de cigarro hoje no balcão, peguei uma das melhores análises sobre o problema energético e demais questões que envolvem o governo atualmente. O cabra nordestino que dirige a bodega foi se entusiasmando com o meu interesse, as veias do pescoço crescendo e a cara ficando vermelha. Dava gosto de se ver. Foi lá no rádio e quase tirou a voz do Falamansa. A cozinheira veio ver o que se passava com o chefe e também palpitou duro. O cara que estava fazendo hora numa das mesas da calçada espichou o ouvido, cuspiu o palito que vadiava no canto da boca e soltou o verbo. O outro não tirou o olho do copo de cerveja quente, mas assentia martelando com a cabeça. De repente, já não se podia distinguir o que se falava, tamanha era a vontade e a necessidade de todos e de cada um daqueles indivíduos de expressar a sua revolta . Tempo quente num Rio abaixo de 20º C.

E ainda tem quem defenda a tese de povo inconsciente e alienado... Pois sim! Será que ninguém reparou que nas últimas eleições, quando os escândalos ainda não tinham tomado estas proporções que vemos nos últimos tempos, nem tinham atingido direta e claramente o orçamento doméstico, as urnas já mostravam a insatisfação popular com o governo?

Pena que o tempo dos grandes líderes tenha se acabado. Os botecos da Cidade Maravilhosa já estariam prontos para sair às ruas com suas tropas rotas, bêbadas e vadias.