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11.10.01

Demorou, mas finalmente chegou a resposta tão aguardada vinda da minha guru filosófica. E veio derramando cultura e generosidade. Com vocês, a Sub Rosa e seus comentários sobre a Alegoria da Caverna:

“O que acontece é que recebemos a grande maioria dos textos antigos através das traduções árabes de Avicena e Averróes principalmente. Só há um detalhe precioso: todos os helenistas (que se dedicaram a estudar a cultura grega (Atenas e Esparta) propriamente dita, e quando essas duas potências perderam a hegemonia para Filipe e Alexandre da Macedônia... que estenderam seus domínios para toda a Ásia e a isso se denomina processo de Helenização (A Grécia era conhecida como HELADE)) voltaram seu foco, para a *LINGUAGEM* e a linguagem grega cria conceitos apenas existentes no ocidente europeizado. Voltam-se para os pré-socráticos. Por exemplo a Maria Helena é uma helenista brilhante. Deve ter uns setenta e seis, mas é lúcida como um deus. Isso não mede o grau de *modernização* ou conservadorismo. Ela não é a melhor tradutora. Ela tem visões, angulações e estudos magníficos sobre a cultura e a civilização da polis grega. Mas até ela lhe dirá que jamais se saberá o que significa realmente arké, hypokeimenon... O brilhantismo de um tradutor não se encerra na *correção*, mas na capacidade de apreender a essência de um conceito. A propósito disso, Leminski tem um escrito que gostaria de postar na ÁRTEMIS, sobre como é quase impossível as línguas antigas serem vistas através de uma lógica universal, ou um universo fechado de significações. Por exemplo: jihad, karma, filosofia, axé, xodá, jazz, forma, natureza aí temos conceitos que são praticamente intraduzíveis... Não são palavras, Sissi... São conceitos, abstrações. O conceito sânscrito-hindu de *KARMA* por exemplo , é usado para pensar o mundo. Tal como temos conceitos puramente ocidentais quase ininteligíveis para nós mesmos. Há línguas como o hebraico, em que uma forma verbal representa ao mesmo tempo pretérito e futuro... Ou a palavra hebraica *dabar* que designa coisa e palavra ao mesmo tempo... E línguas como o chinês que, igualzinho ao nosso tupi, não possuem o verbo *SER*!!! Bem, é só para dizer que essa querelas das traduções é preciso ter cuidado para não cair no poço das discussões sem fundo, no bizantinismo ou nos *donos* do melhor isso, do melhor aquilo. Claro que devemos nos afastar o mais que pudermos dos manuais de vulgarização. Eles são ótimos como porta entreaberta, mas como passagem de entrada não.”

E tem mais!

“O sol que ilumina é também o mesmo que produz sombras.”

Só para lembrar, eu perguntei:

Você está me perguntando se a luz e toda a realidade que ela mostra seriam uma não sombra e uma não caverna?

E eu babo com a resposta:

“Não, de modo algum, o que quero dizer é que dependendo do tempo ou melhor, do apego a que as pessoas têm às suas certezas, suas crenças, suas opiniões, é temerário e muito duvidoso, que por si só, ela se desprenda da comodidade do que sempre julgou verdadeiro.
Mas se por acaso, ela se dispuser a reconhecer que o sol das idéias é que ilumina as coisas - o real (que vem do latim res, coisa); que a caverna (chamei de domicilio carcerário, porque Platão é claro: quem está na caverna está *AMARRADO* e só pode olhar numa direção, lembra?) é o mundo que deve ser abandonado pois é *projeção de luz * e não *a luz*, então - vamos ter que considerar que pra quem sai da escuridão compare com o cinema, a luz causa dor em sua visão, não é? Metáfora para o processo do conhecimento que é sempre doloroso.
E doloroso de várias formas... até porque quem busca esse saber é temido, ridicularizado, escarnecido, e ... muitas vezes violentamente neutralizado...

CC: Se estaríamos definindo o real pelo metro do já conhecido?

Meg: Não era minha intenção, mas você criou uma hipótese perfeitamente válida e absolutamente valiosa do ponto de vista dialético.

CC: E que isto não seria uma verdadeira revelação mas apenas um jogo de positivo e negativo? E que ainda haveria algo além? É isso? Se for isso, vou te contar que estou usando as linhas filosóficas que vou colocar no próximo post para brincar com várias possibilidades.
Repito: o número e qualidade das respostas é proporcional à quantidade de abordagens escolhidas.

Meg: São atitudes como essa que através dos tempo têm enriquecido a relação: aluno X professor, mestre X discípulo, no grego erastés e erasta (*ela colocou as duas palavras em grafia grega, mas infelizmente não consegui reproduzí-la aqui*)
Ou guia como você diz...(e que foi o que Dante Alighieri fez ao escolher Virgílio, na Divina Comédia -outra metáfora da caverna)
A unica coisa que lamento é que vc tenha procurado um livro de Filosofia da Educação.

Obrigada, querida! Está sendo ótimo aprender com você.


Com raras e louváveis exceções, se você perguntar a um morador de um bairro periférico onde ele mora, ele vai responder que mora no bairro núcleo da vizinhança. Assim, moradores do Engenho de Dentro, por exemplo, geralmente afirmam ter ser lar no Méier, algum milagre geográfico transforma Jacarepaguá em Barra da Tijuca e, se depender dos habitantes de Senador Camará esta localidade não existe, apenas seu vizinho Bangu.

Talvez isso se deva à estratégia montada pelas imobiliárias que tentam valorizar os imóveis que vendem ou alugam incluindo-os em um bairro adjacente mais bem cotados.

É verdade que existem espalhados pela cidade alguns pontos que eu chamo de limbo. Eu mesma já morei em um deles. É aquele lugarzinho que ninguém sabe afirmar ao certo a que bairro pertence. Meu antigo apartamento ficava ali na descida da Estrada Grajaú-Jacarepaguá, próximo ao antigo zoológico (para o qual, visando fortalecer a receita, o Barão de Drummont inventou o jogo do bicho). Lá eu recebia correspondência para o Grajaú, para Vila Isabel e para Engenho Novo. Era exatamente na convergência desses três bairros.

Lins é um desses bairros que teimam em ser outra coisa. Ele quer ser Méier. E, depois da inauguração da Linha Amarela, a área gosta de ser carinhosamente chamada de Baixo Barra.

Gosto da poesia dos subúrbios, mesmo maculada pela guerra nos morros próximos e pela ausência crescente de árvores. No Lins as ruas são ladeadas majoritariamente por casas romanticamente antigas. As que sobreviveram ao gosto duvidoso do revestimento de azulejos, transportam a gente para um tempo não muito distante de sossego e camaradagem.

Por lá os termômetros de rua marcavam hoje 37ºC. E pensar que a apenas dois dias eles não passavam de vinte... Levo minhas sandálias rasteiras para passear por estas calçadas, ignorando o sol estorricante e adiando quase indefinidamente para a próxima quadra a entrada em um transporte que me traria para casa. Observar as crianças indo e vindo da escola, as donas de casa puxando seus carrinhos de compras, os homens conversando na porta dos botequins, os velhos de olhos vagos... De repente, ao dobrar uma esquina, o caos da Dias da Cruz. Misturar-se à multidão, ver o colorido das lojas populares inundando o passeio, observar os rostos de quem corre ou de quem, por hábito, busca a rua nestas horas tediosas do início da tarde...

Há um enorme supermercado em torno do qual um pequeno aglomerado de pessoas pulula. Tem gente que vai ao supermercado todo dia. No meu dicionário isso é uma das definições para solidão. É um povo que se move lentamente no tempo. E é fácil identificá-los, observa a banca de alho. Algum dia, lá na década de 80, o alho esteve muito caro. Uma carestia relativa, mas presente. Era comum descascar-se alho antes de pagar para evitar acrescentar o peso da casca ao preço final. Faz tempo esta realidade mudou, mas ainda é comum ver aquelas caras e mãos enrugadas concentradas na demorada, árdua e mal-cheirosa tarefa de economizar algumas unidades de centavos. Deve ser triste ter tempo demais no dia e tempo de menos na vida...

Tempo... Preciso correr agora... Estou atrasada...

Houve uma metamorfose nos motoristas de táxi depois que ar condicionado nos carros tornou-se uma coisa ordinária. Estão, por via de regra, mais amáveis. Globo e Tupi AM são praticamente uma lembrança distante. Quase sempre o dial pára na MPB FM, na Nova Brasil FM ou na JB. Talvez também porque tenha mudado o perfil destes profissionais. Foi-se o tempo dos semi-alfabetizados e chegaram os ex-funcionários de bancos ou outras grandes empresas que não conseguem recolocação em suas próprias áreas. Ainda é possível encontrar velhos motoritas com assentos de bolinha de madeira e toalhinha encardida no ombro, mas eles vão escasseando como as casas de subúrbio e os moradores típicos do Lins.



10.10.01

TODA FORMA DE PODER
(Engenheiros do Hawaii)

Eu presto atenção no que eles dizem
Mas eles não dizem nada
Bush e Bin Laden(1) tiram sarro de você
Que não faz nada
Começo a achar normal que algum boçal
Atire bombas na embaixada
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
Toda forma de poder
É uma forma de morrer por nada
Toda forma de conduta
Se transforma numa luta armada
A história se repete
Mas a força deixa a estória mal contada
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
O fascismo é fascinante
Deixa a gente ignorante e fascinada
É tão fácil ir adiante
E esquecer que a coisa toda tá errada

(1) A letra original diz Fidel e Pinochet
Fotos dos acontecimentos do último mês retiradas do Terra


9.10.01


Hoje ele completaria 61 anos. O que ele, que nasceu na Inglaterra e escolheu os EUA para viver, diria de tudo isso?


pazamor


Amigo,
gostar a mim parece
gostar assim
como uma prece
silenciosa.
Sim, lendo ociosa
o cio nos olhos,
o cheiro no corpo,
o cinismo nos lábios.
Libido,
li brincando.
Longe, cá no fim do mundo,
me dou e nada mudou.
Mudo, um sorriso.
Só riso.
Um só.
Um sonho,
um sopro...

(1986)

8.10.01


Hoje ás 19:30, na Estação Botafogo 1, tem o documentário Timor Lorosae – O massacre que o mundo não viu de Lucélia Santos. O filme ilustra a inacreditável tragédia da ex-possessão portuguesa, um massacre (centenas de milhares de mortos) promovido pelos indonésios comparável ao Holocausto que levanta algumas questões interessantes e bastante atuais.

1 – Por que será que o mundo demorou tanto (25 anos) a se indignar com o que acontecia em Timor Leste?

2 – Por que Milosevic é julgado em Haia e Timor foi tratado como uma questão interna da Indonésia?

Parece bastante com “aquele” assunto, não é mesmo?

Fiquei olhando as imagens dos ataques dos aliados na TV e imaginando que nunca veremos a sofrimento estampado no rosto dos civis afegãos atingidos, que jamais assistiremos entrevistas com suas viúvas e órfãos, com seus amigos, que nenhum astro ou estrela cederá seu cachê para eles, que ninguém entrará em cadeia mundial para pedir doações para as famílias daqueles que arriscam a vida para salvar os inocentes.

Todo meu apoio a estas iniciativas que humanizam números e tentam minorar um sofrimento sem medidas. Só penso: por que elas são unilaterais? Por que a desgraça caucasiana e rica é pungente, real e personalizada e a miserável é verde e indefinida, com pipocos brilhantes e sem cara? E chego a infeliz e pouco original conclusão de que todos somos iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.

Ainda bem que reservo esta palavra para poucas ocasiões: ódio. Odeio bin Laden por ter jogado o mundo nessa lama, por ter acendido o pior lado daqueles que agora se igualam a ele. Lamento tremendamente que o ocidente tenha mordido a isca. Infelizmente o demônio encarnado sabe o que faz e apontou seus canhões para aqueles que passaram quase todas as décadas do último século em alguma sorte de guerra. E se o que se quer é uma briga, há que se provocar um inimigo belicoso. Um analista reproduziu na televisão uma impressão que eu tinha: qualquer que seja o resultado dessa empreitada (a menos que prevaleça uma racionalidade da qual já quase desacredito e ele, capturado e julgado, seja condenado a prisão perpétua), a besta sairá vitoriosa. Se for preso, julgado e executado, ele será um mártir. Se for morto em combate, ele é o mártir. Se não for capturado, ele vira herói.


7.10.01

Eu me recuso a dizer mais do que "até o próximo encontro". É uma meleca... Este povo chega na nossa vida, enche o coração da gente de carinho e depois resolve ir morar do outro lado do Atlântico. Pode? O que é que eu faço? Torço para que tudo dê muito certo, porque aquela cidade é o má-xi-mo, o amor é lindo, você e ele são tudo de bom e merecem idem. E não consigo imaginar nada mais romântico do que largar tudo e ir com o amor da sua vida para .
Ontem, no tradicionalíssimo Nova Capela, depois de um magnífico cabrito com brócolis e muito alho e alguns chopes, ouvi:

"A empregada estava tendo uma crise brava de vômito e diarréia, verdinha, verdinha, molinha, molinha, depois de comer uma coxinha de galinha atrás da Central do Brasil. A gente estava se arrumando para levar a pobre para um hospital público.

Minha mãe disse:
_ Fica assim não. Podia ser pior.

Aí eu perguntei perguntei:
_ Como, mãe, como podia ser pior?

Minha mãe pensou um pouco e respondeu:
_ Ela podia ser a galinha."