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11.10.01


Com raras e louváveis exceções, se você perguntar a um morador de um bairro periférico onde ele mora, ele vai responder que mora no bairro núcleo da vizinhança. Assim, moradores do Engenho de Dentro, por exemplo, geralmente afirmam ter ser lar no Méier, algum milagre geográfico transforma Jacarepaguá em Barra da Tijuca e, se depender dos habitantes de Senador Camará esta localidade não existe, apenas seu vizinho Bangu.

Talvez isso se deva à estratégia montada pelas imobiliárias que tentam valorizar os imóveis que vendem ou alugam incluindo-os em um bairro adjacente mais bem cotados.

É verdade que existem espalhados pela cidade alguns pontos que eu chamo de limbo. Eu mesma já morei em um deles. É aquele lugarzinho que ninguém sabe afirmar ao certo a que bairro pertence. Meu antigo apartamento ficava ali na descida da Estrada Grajaú-Jacarepaguá, próximo ao antigo zoológico (para o qual, visando fortalecer a receita, o Barão de Drummont inventou o jogo do bicho). Lá eu recebia correspondência para o Grajaú, para Vila Isabel e para Engenho Novo. Era exatamente na convergência desses três bairros.

Lins é um desses bairros que teimam em ser outra coisa. Ele quer ser Méier. E, depois da inauguração da Linha Amarela, a área gosta de ser carinhosamente chamada de Baixo Barra.

Gosto da poesia dos subúrbios, mesmo maculada pela guerra nos morros próximos e pela ausência crescente de árvores. No Lins as ruas são ladeadas majoritariamente por casas romanticamente antigas. As que sobreviveram ao gosto duvidoso do revestimento de azulejos, transportam a gente para um tempo não muito distante de sossego e camaradagem.

Por lá os termômetros de rua marcavam hoje 37ºC. E pensar que a apenas dois dias eles não passavam de vinte... Levo minhas sandálias rasteiras para passear por estas calçadas, ignorando o sol estorricante e adiando quase indefinidamente para a próxima quadra a entrada em um transporte que me traria para casa. Observar as crianças indo e vindo da escola, as donas de casa puxando seus carrinhos de compras, os homens conversando na porta dos botequins, os velhos de olhos vagos... De repente, ao dobrar uma esquina, o caos da Dias da Cruz. Misturar-se à multidão, ver o colorido das lojas populares inundando o passeio, observar os rostos de quem corre ou de quem, por hábito, busca a rua nestas horas tediosas do início da tarde...

Há um enorme supermercado em torno do qual um pequeno aglomerado de pessoas pulula. Tem gente que vai ao supermercado todo dia. No meu dicionário isso é uma das definições para solidão. É um povo que se move lentamente no tempo. E é fácil identificá-los, observa a banca de alho. Algum dia, lá na década de 80, o alho esteve muito caro. Uma carestia relativa, mas presente. Era comum descascar-se alho antes de pagar para evitar acrescentar o peso da casca ao preço final. Faz tempo esta realidade mudou, mas ainda é comum ver aquelas caras e mãos enrugadas concentradas na demorada, árdua e mal-cheirosa tarefa de economizar algumas unidades de centavos. Deve ser triste ter tempo demais no dia e tempo de menos na vida...

Tempo... Preciso correr agora... Estou atrasada...

Houve uma metamorfose nos motoristas de táxi depois que ar condicionado nos carros tornou-se uma coisa ordinária. Estão, por via de regra, mais amáveis. Globo e Tupi AM são praticamente uma lembrança distante. Quase sempre o dial pára na MPB FM, na Nova Brasil FM ou na JB. Talvez também porque tenha mudado o perfil destes profissionais. Foi-se o tempo dos semi-alfabetizados e chegaram os ex-funcionários de bancos ou outras grandes empresas que não conseguem recolocação em suas próprias áreas. Ainda é possível encontrar velhos motoritas com assentos de bolinha de madeira e toalhinha encardida no ombro, mas eles vão escasseando como as casas de subúrbio e os moradores típicos do Lins.



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