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21.5.11

20.5.11

Mel - Adoçando a Felicidade

(Sérgio Veleiro)

"Nesse intervalo de vida que se arrasta, andei me arrastando por sobre o livro da Carla Cíntia (Fel – amargando felicidade) e tive vários momentos de puríssimo prazer.

Leitura que se faz de boca cheia, riso fortuito, pontada de dor. Não uma, não duas, algumas vezes parei a leitura entre uma crônica e outra para respirar fundo. Olhar longe que se perde imaginando... E o Rio de Janeiro explode em cada esquina de concreto, em cada nesga de sentimento.

Não são crônicas sobre a cidade, são histórias profundamente humanas como “A viagem na viagem” (pag. 63) em que a autora diz:

“Gosto de estar perto de gente, gente de verdade, daquelas que fazem números largos em estatísticas.”

E a narrativa prossegue no imaginário de uma testemunha ocular do alheio, do que não lhe pertence, mas está tão próximo: o outro.

Sentada dentro de um ônibus ela vê e imagina. E tudo é tão real, e tudo é tão possível que o leitor vai junto no desenrolar da vida do alheio que é o seu modo de encontrar o outro.

Adiante no livro a narrativa percorre o arrumar e o desarrumar da vida na perspectiva do cabideiro não aprovado pela mãe (“Cabideiro” pág. 72). Quem resiste a um bom pendurar de roupas usadas ao alcance da mão?

E as roupas vão se acumulando à vista de todos, assim como as frustrações, quando temos um cabideiro por perto. Sim, eis uma verdade universal: os pregos atrás da porta atraem a roupa do dia.

Na minha casa de infância meu pai nunca deixou de furar as portas do quarto e banheiro com pregos que serviam de cabides. E não adiantava o quanto mamãe pedisse, era um costume de infância dele. Ela se conformou, afinal também tinha seus costumes de infância inexplicáveis.

Mais adiante Carla fala de um tema universal: o diz que me disse. (“Diz-que-diz” pág. 73).



Carla, concordo muito com você quando diz:

“A questão é que não tenho controle sobre o comportamento de ninguém, além do meu próprio.”

Sempre achei isso. O outro é um completo aleatório, o que ele fala de você é tão-somente o que ele pensa, o que ele é. Não é você. Por isso amplio seu pensamento dizendo que não temos controle sobre o pensamento de ninguém, quanto mais sobre o comportamento. Todos somos livres, pensamos, dizemos e fazemos o que temos por dentro, inclusive ódio, revolta, frustração, inveja... Tudo isso a palavra revela. É só ficar atento. Ou como você bem disse na página 74:

“Se alguém sumariamente se afasta de mim após dar ouvido a mexericos engendrados por uma alma vil, só posso agradecer ao que alguns chamam de anjo da guarda, por ter retirado pessoa tão mixuruca do meu campo vibracional.”

Em “Carta ao meu filho” (pág. 90) eu destaco esse alerta que me fez lembrar um fato acontecido no passado recente:

“Olhe dentro dos olhos. Por mais desorientada que esteja, uma pessoa sempre terá alguma virtude.”

Isso foi tema de discussão um dia desses com os amigos daqui de perto. Perguntei assim de supetão, sem explicação alguma: qual é a tua virtude?

Foi engraçado perceber que alguns demoraram para responder e outros começaram pelos defeitos. Um disse “mas eu não gosto de me auto-elogiar”. Como se reconhecer uma virtude fosse um elogio ao ego... Deu pano pra manga e muita luz no espelho das nossas sombras.

Avançando na leitura tropecei com esses questionamentos: você é responsável por aquilo que cativa? Você já fez a diferença na vida de uma pessoa? Alguém já te disse isso alguma vez? Não? Então leia a crônica “Eu e o outro” (pág. 80/81).

E quem não teve saudade da camisa velha, aquela de algodão bem velhinha e esburacada que você adora vestir quando chega em casa depois de um dia exaustivo? Como não fechar o livro e sorrir um pouco depois de ler a crônica “A camiseta furada” (pág. 59) ?

“Com certeza você já teve um amigo camiseta-velha. Com certeza você já teve dias camiseta-velha...”

O livro todo é uma delícia. Daqueles que a gente lê e pensa, essa eu vou reler um dia. Como um alerta de quem já viveu ou presenciou uma situação descrita na crônica e precisa de cúmplice para expiar os pensamentos nada ortodoxos.

Livro bom é assim, a gente termina de ler já sabendo que vai ser relido. Páginas marcadas, idéias fincadas na mente e ao colocar na prateleira a certeza de que em breve estará de volta à cabeceira da cama.

Carla, parabéns pelo livro. Muito grato pelo prazer da leitura.

(...)
P.S. O tipo de letra impresso nos poemas embaralhou minha visão. Por algum problema meu de foco não consegui sentir os versos."