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20.5.04

Em Utopia hoje tem chocolate quente, edredon e cafuné.
Na batata o que rola é dieta, microcomputador e muito trabalho.
Tem nada não.

18.5.04

Não sou rancorosa. Minha raiva, principalmente em relação às pessoas de que gosto muito, dura bem pouco. Mas... Sim, tem sempre um mas...

1 - Preciso verbalizar tudo o que me angustiou. Enquanto não ponho pra fora o que está me incomodando, minha relação com a pessoa fica envenenada e não consigo ser natural. Depois que falo (e ouço), as coisas voltam ao normal. Muitas vezes, apenas só pra mim.

2 - Fico irritadíssima quando quem pisou na bola comigo fica me paparicando para se desculpar. A puxação de saco só faz me lembrar o tempo todo do vacilo. Se quiser pedir desculpas, peça. Se tiver alguma coisa a esclarecer, esclareça. Mas não fica me adulando. Solta o texto e me dá um tempo para equalizar o pH do fígado.

3 - Facada nas costas não cicatriza.

4 - Certos casos nada tem a ver com perdão ou esquecimento. É só antipatia mesmo.

5 - Errar é humano, persistir no erro me causa náuseas eternas.

17.5.04

A semana passada foi bastante cinematopgráfica pra mim. Teve Kil Bill (argh! bleagh! puft!) na segunda, Duplex na quarta, Invasões Bárbaras em dvd na quinta e Diários da Motocicleta no sábado.

Invasões Bárbaras parece jiló, que eu adoro, mas é bem amargo. Fiquei
pensando num monte de coisas que acabaram se encaixando depois com o que senti ao assistir a Diários da Motocicleta. O último foi uma experiência maravilhosa. O filme é bem feito, bonito e, na falta de um adjetivo melhor, importante, muito importante nesses dias que correm. Ele me provocou uma avalanche de emoções (ainda mais, como disse, tão próximo de Invasões Bárbaras) que achei difícil colocar em palavras. Só conseguia pensar algo como:"A pior parte da vitória deles foi ter aniquilado o sonho."

E então, li este artigo na coluna Entre Nós do Pedro Blank, na Revista de Domingo do JB e me senti um pouco aliviada por ter encontrado alguém que entendesse o tipo de coisa que estava se passando em mim naquele momento.

Destaquei a parte que mais me tocou em negrito.




O Generoso Che

Nossos escritos são nossas próprias leituras do mundo e, curiosos como
naturalmente somos, procuramos encontrar alguém que pense da mesma forma, nos basta ao menos um. Acontecendo, permitimos que outros possam discordar de nós totalmente e até venham a gerar uma nova forma no nosso próprio ato de ler". (...)os escritos não passam de uma leitura do mundo que traz para perto os semelhantes e estabelece contato com os diferentes. Meu próximo não é meu semelhante, costumava dizer um dos meus mestres preferidos, o psicanalista mineiro Célio Garcia.

(...)Contração receptiva, eis o mistério do que chamamos de relação e que se reflete na comunicação que tecemos nesta página. Um mestre cabalista do século 16, o Ari de Zfat, da Galiléia, fez a pergunta: se tudo é Deus, como pode haver mundo? De modo surpreendente, concluiu que Deus se contraiu para que pudesse haver um espaço desocupado de sua presença e onde o mundo pudesse existir. Neste caminho, outros sábios construíram uma visão em que a relação entre os homens só pode existir à medida que aprendemos a contrair a mente para que o outro se faça mundo. É esse o motor de toda generosidade.

Generosidade é atitude que só surge se aprendemos a contrair a nossa mente egoísta por natureza e deixamos que o mundo nos afete e nos surpreenda. Esta generosidade tão fora de moda é que levou o jovem Che, montado na La Poderosa, a encontrar no meio da selva amazônica o início de uma vida doada ao próximo radicalmente diferente dele, os internos do leprosário de San Pablo. O que impressiona na viagem conduzida por Walter Salles no filme Diários de motocicleta é a ausência de discursos calcados em mensagens partidárias pré-fabricadas. Trata-se, isto sim, do antigo apelo que a mente bíblica trouxe para o mundo; a descoberta da existência do outro nos obriga a um compromisso de responsabilidade com ele. É a generosidade comprometida do jovem Che que o atira no Rio Amazonas em direção ao leprosário isolado pelas águas caudalosas e o leva a encontrar, em uma terceira margem, um destino hoje chamado de idealista com certo tom de desprezo. O desejo de libertar os abandonados da impiedosa indiferença a que são submetidos aparece no filme como resultado desta estranha e radical conversão ao outro.

O maior trunfo do neoliberalismo não é o papo do fim da divisão entre
esquerda e direita. A grande vitória do capital sobre a generosidade é a transformação do sentimento de indiferença numa atitude banal e presente em nosso dia-a-dia.
Indiferença e cinismo que nós cariocas vemos diariamente nas jogadas politiqueiras de nossos governantes e que vamos passivamente incorporando às nossas vidas junto com o medo que enclausura os corações e constrange as mentes. Mas, para ser realista, não acredito que a idéia da contração receptiva interesse a quem realmente precisa dela, os egos expandidos do poder achariam este papo um grande despropósito. A contração e a generosidade acabam sendo o objetivo de uma minoria persistente, uma ilhota de esperança no mar da indiferença.

16.5.04

O Arauto entra e anuncia o rei. (...)

Entram o Grão-duque, a Grã-duquesa, o Ministro e o Funcionário Honesto.

Tecelão - Excelência, quanta honra! (uma reverência) Aproximem-se, Excelências. Apreciem nossa obra.

Eles aumentam a luz. Tiram o pano que cobre o tear. O Grão-duque e a Grã-duquesa arregalam os olhos.

Tecelão - Vejo que estão admirados, Excelências, com nosso tecido...

Tecelã - Espantados com o nosso trabalho. Foi difícil e demorado. Passamos noites trabalhando.

Tecelão - Noites e noites...

O Alfaiate dá pulinhos atrás do Grão-duque.

Funcionário Honesto e Ministro - Oh! Oh! Oh!

O Grão-duque (para o público) - Oh, Jesus, sou um idiota! Um incompetente! Um burro! Que será de mim quando meus súditos souberem disto? Finjo tudo. Vou fingir que estou vendo.

Grão-duque - Senhores tecelões de ouro, estou realmente admirado! Tanta formosura, tanta beleza num tecido! Que maravilha. Veja, Alfaiate, pegue, admire! (o Grão-duque faz a mímica de pegar o tecido no tear vazio)

Grão-duque - E você, querida esposa... já viu tecido mais rico? Não é divino?

Grã-duquesa - Sim, querido!

Tecelão - Vejam os rococós.

Todos - Magníficos.

Grã-duquesa - Sim, querido.

Tecelã - Apreciem os bizurados!

Todos - Fantásticos!

Tecelão - Notem as quizumbas!

Todos - Fenomenais!

Grã-duquesa - Sim querido! (mais alto)

Tecelã - Observem os fricotes!

Todos - Chocantes!

Grã-duquesa - Sim, querido! (mais alto)

Grão-duque - Estou estupefato! Es-tu-pe-fa-to! Nunca vi tamanha obra de arte! Mal posso esperar pra ver o tecido transformado em trajes que usarei triunfalmente para que o povo me admire. Será minha milionésima qüinquagésima roupa. Tecelões, confio a tarefa a vocês. Comecem agora a fazer o mais lindo traje do mundo com o mais maravilhoso, misterioso dos tecidos!

Tecelã - Sim, meu senhor (ajoelha-se). Sob as ordens de Vossa Excelência e a bênção de Deus o faremos!

Tecelão - Cumpriremos a nossa missão!

Grão-duque - Então, mãos à obra.

Saem todos. Os dois vigaristas ficam a sós, dão gargalhadas, rodam o corrupio.

Tecelão e tecelã (para o público) - O que é a humanidade...


(Trecho da peça O Alfaiate do Rei, de Maria Clara Machado, baseada no conto de Hans Christian Andersen A Roupa Nova do Rei)