Pesquisar este blog

28.9.01


O MITO DA CAVERNA


Platão expôs o mito da caverna no Livro VII da República, onde ele trata o tema da formação do ser humano. A principal obra de Platão tem a forma de um diálogo imaginário, no qual é investigada a natureza da justiça, do qual participam o filósofo Sócrates e os irmãos de Platão, Glauco e Adimanto. No Livro VII Sócrates conta a Glauco o famoso mito da caverna como um retrato da ignorância humana, que deve ser superada pela educação.


Caverna


Sócrates -- Agora imagina a maneira como segue o estado da nossas natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrâneas, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de perna e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as corrente os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.

Glauco -- Estou vendo.

Sócrates -- Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que o transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.

Glauco -- Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.

Sócrates -- Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?

Glauco -- Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?

Sócrates -- E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?

Glauco -- Sem dúvida.

Sócrates -- Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?

Glauco -- É bem possível.

Sócrates -- E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?

Glauco -- Sim, por Zeus!

Sócrates -- Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?

Glauco -- Assim terá de ser.

Sócrates -- Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desse prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

Glauco -- Muito mais verdadeiras.

Sócrates -- E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?

Glauco -- Com toda a certeza.

Sócrates -- E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?

Glauco -- Não o conseguirá, pelo menos de início.

Sócrates -- Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.

Glauco -- Sem dúvida.

Sócrates -- Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.

Glauco -- Necessariamente.

Sócrates -- Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.

Glauco -- É evidente que chegará a essa conclusão.

Sócrates -- Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?

Glauco -- Sim, com certeza Sócrates.

Sócrates -- E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?

Glauco -- Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.

Sócrates -- Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?

Glauco -- Por certo que sim.

Sócrates -- E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?

Glauco -- Sem nenhuma dúvida.

Sócrates -- Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.

Glauco -- Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.


Oh, Senhor!
Por que será que ninguém comenta as coisas que escrevo aqui? Por que ninguém fala comigo? Será que eu tenho mau hálito virtual?


Quem souber cantar que cante,
Quem souber tocar que toque,
Quem puder gritar que grite
Quem tiver apito apite
Faça esse mundo acordar

(Lupicínio Rodrigues)

27.9.01

O Erê
(Toni Garrido/ Da Gama/ Lazão/ Bino/ Bernado Vilhena)


Pra entender o Erê
Tem que tá moleque
Tem que conquistar alguém
E a consciência leve

Há semanas em que tudo vem
Há semanas que é seca pura
Há selvagens que são do bem
A sequencia do filme muda

Milhões de anos luz podem curar
O que alguns segundos na vida podem representar
O Erê, a criança, sincera convicção
Fazendo a vida com o que o sol nos traz

Você sabe
Um sentimento não trai
Um bom sentimento não trai

Pra entender o Erê
Tem que tá moleque
Tem que conquistar alguém
E a consciência leve

Pare e pense no que já se viu
Pense e sinta o que já se fez
O mundo visto de uma janela
Pelos olhos de uma criança

**********

Viva São Cosme e São Damião!
Que a Desatadora remova os nódulos de gordura que vou cultivar ao dividir o conteúdo dos saquinhos com o moleque...




O show do Marco Suzano na terça-feira no SESC Copacabana foi simplesmente maravilhoso. O homem é o máximo. Faz miséria com um pandeiro. Teve ainda as participações especialíssimas de Jorginho do Pandeiro e de Celsinho Silva. O programa de música instrumental às terças continua em outubro. O próximo e Altamiro Carrilho. Programa dos melhores da cidade, ainda mais com ingressos a R$10,00.

Ainda pude ver alguns rostos especialíssimos na platéia, com o Moska (que não assina mais Paulinho) e a minha amada idolatrada, salve-salve Fernandinha Abreu.

Aliás o deleite com a Fernanda continuou ontem, assistindo ao Ensaio Geral no Multishow. Além da musa, ainda apareceram no programa nada mais nada menos que Chico, Benjor, Lobão, Lenine, Pedro Luís e Gerson King Combo. Delícia das delícias!



Quatro anos hoje :-(

Epílogo

Helena foi, de repente, arrebatada por um desconforto crescente. Aquilo que ela detectou nos olhos de João lhe pareceu comum e era completamente diferente do que via no rosto de Fred. Se Fred demonstrava carinho, desejo e admiração, o que era tudo aquilo com que convivera por toda a vida? Ela observou as pessoas a sua volta que a encaravam, como sempre. Estava muito perturbada. Quis ir embora.

A noite foi terrível, com insônia entremeada por pesadelos. Helena sentia-se despertando de um sonho bom para uma realidade tosca. Entretanto não conseguia divisar que realidade era esta.

Quando seu irmão chegou em casa vindo do treino no final da manhã, viu pela porta entreaberta que ela estava apenas de calcinha e sutiã diante da parede de espelho do seu quarto. Ia seguindo seu caminho.

- Mano!?
- Oi!
- Vem aqui um pouquinho...
- Tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
- Não. Senta aí... Eu estive pensando em algumas coisas e queria que você me desse a sua opinião. Você acha que eu deveria fazer um tratamento ortodôntico?
- Bem... Você sabe que primeiro devia cuidar da sua respiração. Se você continuar respirando mal, pela boca...
- Isso mesmo! Sabe? Eu podia aproveitar a cirurgia de correção de desvio de septo para dar um jeito no nariz, né?
- Eu gosto do seu nariz. Ele tem personalidade.
- Mas aí o queixo ia sobressair... Bom, eu podia dar um jeito nisso também...
- O que está acontecendo com você, maninha?
- Sei lá... Eu queria mudar algumas coisas... Uma aluna minha da academia operou as orelhas e voltou prá casa no mesmo dia. E nem foi tão caro... Acho que ia ficar bem melhor se as minhas orelhas não aparecessem debaixo do cabelo. Talvez um permanente ajudasse a criar mais volume também...
- Ih! Relaxa... A gente gosta de você do jeitinho que você é.
- É mesmo? E prótese de silicone nos seios? A da mãe ficou tão linda! E um implante para aumentar o bumbum?
- Gente! Esse exercício de imaginação de auto-mutilação pelo jeito não vai terminar nunca. Olha aqui: eu vou para o meu quarto, que eu ainda tenho muito o que fazer, tá? E se você quer saber, acho você não devia procurar um cirurgião plástico não. Procura um ginecologista que isso deve ser TPM.
- Grosso! Tem certas coisas que a gente só pode conversar com outra mulher mesmo. Homem não entende nada...

Quando Fred chegou, logo percebeu que a namorada estava acabrunhada. Teve que insistir muito antes que ela começasse a dar pistas sobre o que estava acontecendo.

- Aquele seu amigo ontem...
- Eu sabia! Eu sabia que isso ia dar problema...
- Viu só? Então, deixa...
- Deixa nada! É melhor você falar o que está te incomodando prá gente tentar resolver logo.
- É que eu fiquei curiosa com as coisas que ele falou. Sua coleção... Você nunca me falou que fazia uma coleção...
- E não faço. É por isso que eu não gosto de badalação. Tem muita gente boba circulando por aí. Este cara é um deles.
- Do que é que ele estava falando, então?
- Deixa prá lá...
- Foi você que disse que a gente tinha que conversar para resolver...
- Verdade... Bom, ele faz parte de uma turma que eu conheço há muito tempo, desde a época do segundo grau, quando eu comecei a namorar a Sílvia. A gente se encontrou por causa de uma tragédia. Eu estava passando quando ela foi atropelada. Fui eu que chamei a ambulância, que liguei para os pais dela, que fui com ela para o hospital. A gente ficou amigo e eu ia visitar sempre. O pai dela trabalhava como louco para fugir do drama da filha, a mãe só sabia chorar. Fui que acabei assumindo o papel de acompanhante dela nas sessões de fisioterapia, de terapia... Era comigo que ela desabafava sobre o namorado que tinha sumido... A amizade acabou virando namoro. Eu ficava com ela quase o tempo todo. Era difícil. Às vezes ela ficava muito deprimida... Ela demorou quase dois anos para passar da cadeira de rodas para as muletas e mais outro ano para livrar-se delas. Quando tudo ficou bem, o ex-namorado reapareceu e... Bom, eu aproveitei uma chance que apareceu e fui estudar por um tempo no Canadá. Deve ter sido nesta época que você conheceu minha irmã e por isso a gente não se conheceu. Lá eu conheci a Anna. A gente chegou a pensar em se casar, mas eu não queria morar o resto da vida naquele frio. Eu sou um bicho tropical, você sabe... Ela ficou com medo de vir para cá e sofrer com o sol...
- Por quê? Ela não gostava de calor?
- Ela é albina. Aí eu voltei sozinho e acabei conhecendo a Júlia. A gente ficou junto um tempo, mas eu não consegui mais acompanhar o ritmo e a animação dela depois que ela fez o transplante de córnea. O João e a turma dele começaram a pegar no meu pé quando eu comecei a namorar a Lili. Ela praticava boxe e era bem forte e eles diziam que era melhor eu andar na linha senão ela ia acabar me mandando para a enfermaria. Quando me viram com a Arlete, então... Foi um escândalo. Mas o negócio com a ela não durou muito. Ela perdeu mais de cinqüenta quilos com a cirurgia de redução do estômago e só queria saber de malhar, de fazer trilha ecológica, de escalar a Pedra da Gávea e eu queria sossego.
- Tá! Pára de falar das suas ex que eu já estou ficando com ciúmes! Nem lembro mais porque você está me contando tudo isso. Ah, era a tal coleção, né? Quer saber? Deixa prá lá que eu não estou entendendo o que uma coisa tem a ver com outra e já estou ficando com vontade mesmo é de dar uma volta. Vamos pegar um cineminha?
- Eu prefiro um lugar onde eu possa ficar olhando para você...
- Tudo bem... Vamos ver o pôr-do-sol no Arpoador, então.

E Helena nunca mais pensou em cirurgia plástica

25.9.01

Capítulo II

Era a festa de inauguração de uma nova academia de dança. Uma colega dos velhos tempos era a proprietária e enviou o convite para Helena. Ela não perdia nenhum evento social. Adorava ver e ser vista. Gostava muito de conversar com as pessoas, em especial aquelas que pertenciam ao seu mundo.

Por algum motivo que ela desconhecia, caprichou mais do que o normal na própria produção. Antes de sair conferiu o resultado no espelho e aprovou.

Chegou um pouco atrasada, o lugar já estava cheio de gente e ela tentava chegar à anfitriã, mas parava aqui e ali para cumprimentar um e outro conhecidos. Ela era muito popular. Ninguém jamais esquecia seu nome ou seu rosto.

Finalmente, alcançou a amiga e congratularam-se com entusiasmo. Helena estava realmente feliz com a realização do sonho da companheira e por estar ali, em seu habitat natural, cercada de gente, espelhos e barras.

- Eu quero muito que você conheça o meu irmão, disse a amiga. Fred, ô Fred, vem cá. Quero te apresentar à Helena, aquela minha colega dos tempos da escola de dança, que eu te falei. Helena, este é o Fred, meu irmão.

O olhar de Fred incomodava Helena. Era diferente dos olhares a que estava acostumada. Ele olhava para a sua boca enquanto ela falava. Helena tentava desvencilhar-se dele e ele continuava um assunto sem pé nem cabeça. Perdia-se no seu decote. Ela disse que ia pegar alguma coisa para beber e ele segurou o garçom pelo braço e perguntou o que ela ia querer. Entregou-lhe o copo de vinho branco e conduziu-a até uma das mesas. Observou discretamente o caimento de sua saia enquanto ela cruzava as pernas.

- Você é amiga da mana há muito tempo?
- Continua trabalhando com balé?

Ela estava assustada.

- Desculpa, mas preciso mesmo falar com algumas pessoas. A gente se fala mais depois, tá?

Ela levantou-se e começou a andar para longe dele. Ele alcançou a mão dela e disse que só deixaria que ela se perdesse na multidão depois de lhe autorizar a pegar o número de seu telefone com a irmã. Ela não tinha experiência com estas coisas. Concordou e saiu quase correndo.

Ele ligou no dia seguinte. E no outro e no outro e outros mais até que ela concordasse em encontrar-se com ele. Era preciso que se conhecessem melhor, ele dizia. Helena foi perdendo o medo e conhecendo um outro tipo de sentimento que ela ainda não conseguia entender o que era. Ele, sem a presença física e aquele olhar, não era tão assustador, afinal. Conversava sobre coisas interessantes e era bem gentil. E era irmão de uma de suas amigas mais antigas. Não havia o que temer, tranqüilizava-se.

Ela queria ir ao cinema, mas ele insistiu que fossem a algum lugar onde pudessem conversar.

Na verdade, eu queria um lugar onde pudesse olhar bem para você, ele disse quando finalmente se encontraram. Ela começou a ficar assustada de novo, mas ele logo percebeu. Disse que ela não precisava ter medo. Ele só estava encantado por ela. Ela era perfeita. Ela era maravilhosa.

Helena nunca tinha ouvido nada parecido com tanta sinceridade. Ele parecia realmente gostar dela. E conversa seguiu leve. Ela estava se sentindo à vontade com ele. Riram juntos. Ele contou uma versão resumida de sua história e prestou bastante atenção quando ela contou a dela.

Quando chegaram à porta da casa dela ele inclinou-se para dar-lhe um beijo. Ela virou o rosto, sem jeito. Ele perguntou por que não e ela respondeu que não sabia. Helena nunca tinha sido beijada antes.

Ela pensou que depois disso ele jamais a procuraria novamente, porém outros telefonemas vieram e eles se encontraram novamente. Ele trouxe flores. Ele disse que queria namorá-la. Ela jamais poderia sonhar com homem mais romântico. Ela contou que jamais havia namorado. Ele disse que não entendia o que os outros rapazes tinham na cabeça, que ficaria muito honrado em ser seu primeiro namorado. Ela viveria mil anos e jamais esqueceria a sensação daquele beijo. Ela estava apaixonada.

Fred seguia o roteiro dos sonhos de Helena. Ele era muito carinhoso e paciente com as resistências dela. Sabia ouvi-la. Sabia encantá-la. Sabia conquistar seu coração.

Três meses transcorreram desde o primeiro encontro. Ele fez o convite. Ela já estava tomando pílula há um mês. Foi mais lindo do que ela jamais imaginara.

O tempoia passando e ela estranhava o fato de sempre estarem sozinhos. Eles não saiam com outros casais e ele jamais falava sobre seus amigos. Ela imaginava que ele devia gostar de ficar o tempo todo com ela, sem ninguém para atrapalhar. Entretanto, sentia falta de estar com outras pessoas em festas e lugares da moda, como era seu hábito antes de conhecê-lo. Insistiu tanto nisso, que depois de algum tempo, mesmo sob protestos, ele acabou cedendo.

Foram a uma casa noturna que tinha aberto suas portas recentemente e já atraía aquela turma de que ela gostava tanto. Ao contrário do habitual, ele não estava segurando sua mão, nem mantinha o braço sobre os ombros dela. Aqui está cheio demais e ele quer me deixar livre para circular, ela pensou. Encontrou muitos conhecidos e ficou contente em estar de novo em circulação. Era bom estar em contato com aquele ambiente novamente.

- Você não conhece ninguém por aqui, tchutchuquinho?
- Por enquanto não vi ninguém conhecido.

Neste instante alguém tocou o ombro dele e ele virou-se.

- E aí, campeão? Há quanto tempo! Como é que estão as coisas, Fred? Você anda sumido, cara! Garimpando mais alguma peça para a sua coleção?
- Tudo bem. Esta aqui é a Helena. Helena, este é o João.

O amigo de Fred lançou sobre ela o olhar familiar, aquele que o namorado quase a fizera esquecer que existia. Estava visivelmente alcoolizado e conquistou de imediato a antipatia da moça. João sorriu e piscou para o amigo. Aproximou-se do ouvido, mas falou tão alto que ela pode ouvir:

- Você não tem jeito, né?

E afastou-se.

Helena ficou curiosa com a observação de João. E que coleção era essa que Fred jamais mencionara?


O trabalho de casa pedia que ele recortasse ilustrações de algumas profissões que ele conhecesse.

- Mãe, presidente é profissão?

- É.

- Então posso colocar aqui uma foto do Fernando Henrique?

- Pode. Deixa eu ver as outras figuras que você escolheu.

Diante de fotos do presidente da república, do papa, de Schumacher comemorando mais um grande prêmio e da Júlia Roberts recebendoum Oscar, pensei que é de pequeno que se pensa grande.

24.9.01

Foi estranho...

Depois de AI fiquei com um nó na garganta, um desconforto, mas não chorei. Eu sou chorona, mas o filme não me tocou o coração. Minha leitura foi mais cerebral mesmo.

Então ontem finalmente assisti a Dançando no Escuro e aí voltei a cachoeira lacrimal normal. Que coisa angustiante! Ui, ui, ui! O filme é ma-ra-vi-lho-so, mas eu fiquei me sentindo mal, enjoada... Não teve remédio, para rebater tive que apelar, pegar pesado e encarar um Jim Carey em Eu, Eu Mesmo e Irene. Eu nem sou o tipo que curte piada escatológica, grosseria e violência gratuita, mas precisava tanto dar uma risada, relaxar, soltar a franga que até me diverti bastante. Apesar das caretas, muitas vezes exageradas e dispensáveis, eu gosto do Jim Carey. Que bom que ele não fica só nisso e já mostrou do que é capaz em filmes como No Mundo da Lua e Show de Truman. No filme que vi ontem tem uma cena em que ele mostra um enorme talento em expressão corporal, simulando uma cena de luta consigo mesmo, recebendo e perpetrando golpes e jogando(se) para dentro de um carro.

Ruim de aturar mesmo foi a sua aparição naquele programa em cadeia mundial pelos heróis da catástrofe norte-americana. A idéia é boa, mas o resultado destas coisas é sempre meloso e cafona. E o Jim Carey fazendo aquela cara me fez pensar que ele só não é bom tentando criar um personagem diferente para ele mesmo.





[De maniqueu + -ismo; fr. manichéisme.]
S. m.
1. Filos. Doutrina do persa Mani ou Manes (séc. III), sobre a qual se criou uma seita religiosa que teve adeptos na Índia, China, África, Itália e S. da Espanha, e segundo a qual o Universo foi criado e é dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis: Deus ou o bem absoluto, e o mal absoluto ou o Diabo.
2. P. ext. Doutrina que se funda em princípios opostos, bem e mal.

Num de seus primeiros discursos sobre os atentados e as possíveis reações norte-americanas, o presidente George W. Bush disse a seguinte frase: "Esta é uma GUERRA do BEM contra o MAL".

A partir daí o mundo inteiro percebeu que não haveria uma solução justa, com busca, apreensão, julgamento e condenação dos culpados. Ao invés disto teríamos guerra. Pouco importava que não houvesse então (e ainda agora) provas inquestionáveis sobre quem era o inimigo. Considera-se detalhe insignificante o fato de o FBI ter divulgado pelo menos dois nomes errados na lista dos terroristas que teriam sequestrado, pilotado e arremessado os aviões. Quem ousa colocar em dúvida todo o processo de investigação e chamá-lo de viciado? Quem ousa questionar a satisfação da indústria bélica norte-americana que ajudou a eleger (como foram mesmo as eleições?) este presidente?

Diante da afirmação de que os EUA eram o bem algumas pessoas começaram a pensar: será? Surgiram aí os primeiros textos que questionavam o fato de os yankees estarem quietinhos em seu canto e serem uma nação pacífica. Estavam mesmo? Eram mesmo? Então quem seriam aqueles que apoiavam Israel? Quem teria treinado e apoiado o talibã? Quem armou Sadam? Quem são os que estão matando árabes nas ruas de suas cidades em atitude revanchista? De onde vem o calamor pela guerra (desde que ela não aconteça em seu território)?

Então a coisa ficou assim:

primeiro momento: choque mundial com ínfimas manifestação de alegria
segundo momento: questionamento internacional
terceiro momento: estamos culpando as vítimas?

Creio que não. Só estamos exercitando a capacidade de fugir de maniqueísmos. Matar milhares de inocentes norte-americanos e de mais de 60 nacionalidades e deplorável, inaceitável, horrível e todos os outros nomes que conseguirmos imaginar para a nossa indignação. E matar milhares de inocentes afegãos ou de qualquer outro país árabe é aceitável? Por quê? Por que a vida ocidental vale mais que a dos filhos do Islã? Seu sangue não é vermelho? Não são também pais, filhos, cônjuges, amigos? Não querem apenas viver feliz e seguros?

Se o Islã produz Bin Laden, o ocidente produz McVeigh, Unabomber, Marcinho VP, Jader Barbalho, ACM e Fernandinho Beira-mar. Vamos bombardear o mundo inteiro? Não são todos norte-americanos que estão nas ruas espancando árabes, certo? Também não são todos os mulçumanos que querem o fim da civilização ocidental.

Onde está o maniqueísmo?


23.9.01


Ontem fui ver AI. Muito melhor se eu tivesse comparecido à pré-estréia, quando estive em LA há pouco mais de um mês, vinda de NY. Seriam olhos mais puros, que não se chocariam tanto com a ilusão de torres gêmeas sobrevivendo ao tempo e a pelo menos duas hecatombes. Seria mais fácil digerir a necessidade humana de circo de morte, a busca incessante por culpados pela infelicidade e irreversibilidade do fim...

Hoje recebi um e-mail da Casa Branca. Claro que foi um auto-responder, mas me deu a certeza de que os links abaixo entregam a correspondência no endereço correto. A campanha pela paz continua. Neste momento está acontecendo um movimento em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas e no dia 25 às 12:00 haverá uma manifestação ecumênica no Saara (centro de comércio popular no centro do Rio).