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27.9.03

Para Carolzinha:

"...E agora meus ombros se retesavam não pelo que eu via, mas no afã de captar ao menos uma palavra. Palavra? Sem a mínima noção do aspecto, da estrutura, do corpo mesmo das palavras, eu não tinha como saber onde cada palavra começava ou até onde ia. Era impossível destacar uma palavra da outra, seria como pretender cortar um rio a faca. Aos meus ouvidos o húngaro poderia ser mesmo uma língua sem emendas, não constituída de palavras, mas que se desse a conhecer só por inteiro. E o avião reapareceu na pista, numa imagem distante, escura, estática, que salientava mais ainda a voz masculina da locução em off. A notícia do avião já pouco me importava, o mistério do avião era ofuscado pelo mistério do idioma que dava a notícia".

“única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita”.
Dizem que Cosme e Damião eram árabes e viveram na Sicília, às margens do Mediterrâneo, por volta do ano 283. Praticavam a medicina e curavam pessoas e animais, sem nunca cobrar nada.

O culto aos dois irmãos é muito antigo, registrado a partir do século 5. Contam que, em certas igrejas havia um óleo santo de São Cosme e Damião, que tinha o poder de curar doenças e dar filhos às mulheres estéreis.

Aqui no Brasil, a devoção trazida pelos portugueses misturou-se com o culto aos orixás-meninos da tradição africana. Isso gerou uma festa brasileira, que tem nas crianças os personagens principais.

Os santos mabaças são tão populares quanto Santo Antônio e São João em todo o Brasil. No dia 27 de setembro, crianças saem às ruas para pedir doces e esmolas em nome deles e, depois, as famílias aproveitam para fazer um grande almoço, servindo comida típica da data: caruru dos meninos.

No Candomblé, Cosme e Damião são conhecidos como Ibejis e são os protetores das crianças e muitas vezes aparecem com um irmão ainda menorzinho, o Idowu (Doum), que cuida das criancinhas pequenas. Além de crianças saindo às ruas pedindo doces, no candomblé elas ganham uma festa na qual são chamadas a desempenhar o papel principal. E são as primeiras a se servirem de caruru, em potes pequenos.

Quando eu era bem pequena lá nos cafundós do subúrbio, uma vizinha invejosa apontou para a nossa casa: “Ali tá dando! Ali tá dando!” Era a senha para a molecada formar uma fila diante do portão que se desmanchava em tumulto assim que alguém aparecia à porta com uma bolsa onde deveriam estar os saquinhos recheados de doces.

Mas lá em casa não havia doces a serem distribuídos. Nossa família não oferecia confeitos nem brindes no dia de São Cosme e Damião. E o número de crianças ia crescendo. Alguns garotos, já ansiosos com a espera, temendo perder outras oportunidades, iam subindo no muro, ameaçando pular para o quintal. A situação começava a ficar periclitante. A vizinha gargalhava: “Ali tá dando! Ali tá dando!”

Minha mãe pegou então um grande pote que ficava estrategicamente colocado em casa e decidiu que aquela seria a saída. De avanço, ela jogou moedas para a multidão de meninos que ocupavam nossa calçada. Eu, que naquele tempo, já sabia que dinheiro para nosso clã era sinônimo de trabalho, chorei: “Meu paizinho deu um duro danado pra ganhar esse dinheiro. Quando ele chegar, vou contar tudo.” Na hora ela apenas sorriu, mas depois Mamãe me explicou que parte daquele dinheiro ela também ajudara a ganhar e que ela estava fazendo isso para nos proteger e que ela tinha certeza de que quando eu falasse com Papai ele iria ficar satisfeito porque os moleques ficaram felizes, nós estávamos todos bem e que aquelas moedas não iam nos fazer falta, porque eles iam trabalhar mais e ganhar mais. Ela estava certa.

Hoje faz seis anos que meu pai desencarnou.

(Ilustração: "Cosme e Damião" de Hélio Siqueira)
Recebido por e-mail

Passarinho quer dançar

O Gugu quis enganar
Reportagem quis forjar
E ferrou o SBT
Tchu-tchu-tchu-tchu

Agora vai apanhar
Quem mandou ele brincar
Com o pessoal do PCC
Tchu-tchu-tchu-tchu

Audiência vai cair
Emissora vai falir
E o Gugu empobrecer
Tchu-tchu-tchu-tchu

Não adianta nem chorar
Nem a Hebe se meter
Saiu do ar

A farsa deu merda
Vão te processar
E não vai sobrar, Gugu
Nem carnê do Baú
Pra apresentar

O Gugu quis enganar
Reportagem quis forjar
E ferrou o SBT
Tchu-tchu-tchu-tchu...

21.9.03

CRISE

Domingo. Passa pouco de uma da tarde. Numa grande avenida da Zona Norte carioca separada naquele trecho em duas pistas por um rio que leva o mesmo nome, há duas poderosas churrascarias encarando-se. Diante de uma delas, uma fila colossal torna a calçada intransitável. Com satisfação e paciência, aquelas gentes esperam vagar uma mesa. Por trás do vidro fumê, a vizinha oposta exibe seu enorme salão granítico absolutamente deserto e seus funcionários importados de terras gaúchas tentam parecer ocupados e, graves, atendem a clientes inexistentes.

Quando você pensa em almoçar numa churrascaria, em que você pensa?

Tá bem, tá bem. Certo. Deixe agora de lado o mau humor. Pare de pensar em crianças correndo e berrando, em velhinhos com cara de contrariados porque foram arrastado a lugar tão inóspito por parentes sádicos, em garçons desajeitados pingando sangue de picanha malpassada em sua calça nova, em gerações que se reúnem em torno da mesa para mostrar o orgulho que sentem de sua má educação, em altíssimos decibéis e na desculpa que você vai ter que arranjar pro seu endocrinologista, pro seu personal trainer, pro seu nutricionista e pro seu analista. Pronto. Parou?

Vamos tentar de novo? Você pensa em churrascaria e pensa em carne preparada na brasa. Confere? Picanha, maminha, alcatra, lingüicinha, coraçãozinho... Pra acompanhar uma farofa, de preferência incrementada, batatinha frita, bananinha... Dizem até que alguns pervertidos aceitam quando o garçom de castigo oferece o cupim.

Acho estranho que alguém vá a este tipo de restaurante querendo um sushi. Imagina: “Mô, tô morrendo de vontade de comer um sushizinho. Vamu ali na Vaca Amarela?”

Não rola. Ou rola?

Na cabeça dos empresários do setor sim. Parece que a idéia é atender também a quem vai a churrascaria como acompanhante e não quer saber de churrasco. O problema é que todo simples mortal louco para entregar-se aos - de acordo com a moral vigente - mais vis pecados da carne, paga pela comida japonesa, pelos camarões extra grandes, pelos javalis e avestruzes em que não estava nem um pouco interessado quando combinou com a patroa de se empanturrar antes de passar o resto do dia vendo futebol na TV até fazer bico.

Então o pulo do gato da churrascaria lotada é este. Ela é uma churrascaria que vende – adivinhe! – churrasco e acompanhamentos de churrasco. Por isso cobra preço de churrascaria e não de restaurante metido a besta. Porque quem gosta de restaurante metido a besta – ou sofisticado, como prefiram meus diletos, raríssimos e preciosos leitores – simplesmente não vai a churrascarias.

O responsável pela linda, requintada e abandonada churrascaria do outro lado da rua provavelmente caiu no conto dos manuais que falam em agregar valor e que recomendam que se ofereça mais que o concorrente. Parece que muitas delas caíram nessa história que as empurrou numa espiral que as jogou para bem longe do povão que freqüenta churrascaria. Pode ser o problema da tradução. Ou pode ser que as pesquisas tenham sido feitas com pessoas de outros países. Quem sabe de outras cidades por aqui mesmo. Outro dia li uma entrevista com um desses gênios do mal. Ele inventou o conceito de que um boa pesquisa em São Paulo é representativa do Brasil. É respeitadíssimo. Ganhou uma fortuna durante um tempão só para ficar com a boca fechada.

Mas os restaurantes não são os únicos a reclamar de crise quando tem um monte de gente disposta a pagar por coisas mais com a sua cara por um preço justo.

Atenção empreendedores do setor de vestuário! Sou uma balzaquiana que ganha seu próprio dinheiro e gosta de separar (grande) parte dele para comprar roupas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o IMC (Índice de Massa Corpórea) normal está entre 18,6 e 24,9 (veja como calcular abaixo). Meu IMC é 22. E eu não encontro roupas do meu tamanho nas lojas! Tem GG – e ergo as mãos para o céu quando tem G e ele é grande mesmo – que não me cabe! Eu tenho dinheiro para comprar roupa, as lojas não querem vender nem pra mim nem pras minha amigas e ainda reclamam de crise. Ora, façam-me o favor! Vocês acham que as adolescentes tem o mesmo poder aquisitivo (e os mesmos problemas a serem resolvidos num shopping) que uma mulher madura e bem sucedida profissionalmente? Alô-ôu! Queridos que estão a um passo da bancarrota, revejam suas estratégias de marketing e o perfil de consumidor que pretendem atingir.

Será que crise não é preguiça de pensar?

***



IMC= Peso corpóreo (em kg) /o quadrado da altura (em Cm)

Por exemplo, para uma mulher de 1,60 m de altura e 54 kg, IMC= 54/ 1,60X 1,60= 21,09
Imparcialidade não é eufemismo destinado a camuflar a ausência de emoções. Trata-se da compulsiva inclinação para a busca da verdade. Seja qual for o fato, tema ou versão, exige contemplação crítica, que não se deve confundir com olhar ressentido.

Ser independente não significa ser contra todo mundo. Proliferam na fauna brasileira espécimes como o arauto da denúncia, o caçador de bandalheira, o correio de má notícia. Mas necessariamente existirão, em qualquer país e qualquer tempo, episódios animadores, homens decentes e boas novas. Até no Brasil. Mesmo nos momentos complicados.


Parece que estou me repetindo?

Mas dessa vez as palavras não são minhas. São do Augusto Nunes, na edição de hoje do JB.