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21.9.03

CRISE

Domingo. Passa pouco de uma da tarde. Numa grande avenida da Zona Norte carioca separada naquele trecho em duas pistas por um rio que leva o mesmo nome, há duas poderosas churrascarias encarando-se. Diante de uma delas, uma fila colossal torna a calçada intransitável. Com satisfação e paciência, aquelas gentes esperam vagar uma mesa. Por trás do vidro fumê, a vizinha oposta exibe seu enorme salão granítico absolutamente deserto e seus funcionários importados de terras gaúchas tentam parecer ocupados e, graves, atendem a clientes inexistentes.

Quando você pensa em almoçar numa churrascaria, em que você pensa?

Tá bem, tá bem. Certo. Deixe agora de lado o mau humor. Pare de pensar em crianças correndo e berrando, em velhinhos com cara de contrariados porque foram arrastado a lugar tão inóspito por parentes sádicos, em garçons desajeitados pingando sangue de picanha malpassada em sua calça nova, em gerações que se reúnem em torno da mesa para mostrar o orgulho que sentem de sua má educação, em altíssimos decibéis e na desculpa que você vai ter que arranjar pro seu endocrinologista, pro seu personal trainer, pro seu nutricionista e pro seu analista. Pronto. Parou?

Vamos tentar de novo? Você pensa em churrascaria e pensa em carne preparada na brasa. Confere? Picanha, maminha, alcatra, lingüicinha, coraçãozinho... Pra acompanhar uma farofa, de preferência incrementada, batatinha frita, bananinha... Dizem até que alguns pervertidos aceitam quando o garçom de castigo oferece o cupim.

Acho estranho que alguém vá a este tipo de restaurante querendo um sushi. Imagina: “Mô, tô morrendo de vontade de comer um sushizinho. Vamu ali na Vaca Amarela?”

Não rola. Ou rola?

Na cabeça dos empresários do setor sim. Parece que a idéia é atender também a quem vai a churrascaria como acompanhante e não quer saber de churrasco. O problema é que todo simples mortal louco para entregar-se aos - de acordo com a moral vigente - mais vis pecados da carne, paga pela comida japonesa, pelos camarões extra grandes, pelos javalis e avestruzes em que não estava nem um pouco interessado quando combinou com a patroa de se empanturrar antes de passar o resto do dia vendo futebol na TV até fazer bico.

Então o pulo do gato da churrascaria lotada é este. Ela é uma churrascaria que vende – adivinhe! – churrasco e acompanhamentos de churrasco. Por isso cobra preço de churrascaria e não de restaurante metido a besta. Porque quem gosta de restaurante metido a besta – ou sofisticado, como prefiram meus diletos, raríssimos e preciosos leitores – simplesmente não vai a churrascarias.

O responsável pela linda, requintada e abandonada churrascaria do outro lado da rua provavelmente caiu no conto dos manuais que falam em agregar valor e que recomendam que se ofereça mais que o concorrente. Parece que muitas delas caíram nessa história que as empurrou numa espiral que as jogou para bem longe do povão que freqüenta churrascaria. Pode ser o problema da tradução. Ou pode ser que as pesquisas tenham sido feitas com pessoas de outros países. Quem sabe de outras cidades por aqui mesmo. Outro dia li uma entrevista com um desses gênios do mal. Ele inventou o conceito de que um boa pesquisa em São Paulo é representativa do Brasil. É respeitadíssimo. Ganhou uma fortuna durante um tempão só para ficar com a boca fechada.

Mas os restaurantes não são os únicos a reclamar de crise quando tem um monte de gente disposta a pagar por coisas mais com a sua cara por um preço justo.

Atenção empreendedores do setor de vestuário! Sou uma balzaquiana que ganha seu próprio dinheiro e gosta de separar (grande) parte dele para comprar roupas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o IMC (Índice de Massa Corpórea) normal está entre 18,6 e 24,9 (veja como calcular abaixo). Meu IMC é 22. E eu não encontro roupas do meu tamanho nas lojas! Tem GG – e ergo as mãos para o céu quando tem G e ele é grande mesmo – que não me cabe! Eu tenho dinheiro para comprar roupa, as lojas não querem vender nem pra mim nem pras minha amigas e ainda reclamam de crise. Ora, façam-me o favor! Vocês acham que as adolescentes tem o mesmo poder aquisitivo (e os mesmos problemas a serem resolvidos num shopping) que uma mulher madura e bem sucedida profissionalmente? Alô-ôu! Queridos que estão a um passo da bancarrota, revejam suas estratégias de marketing e o perfil de consumidor que pretendem atingir.

Será que crise não é preguiça de pensar?

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IMC= Peso corpóreo (em kg) /o quadrado da altura (em Cm)

Por exemplo, para uma mulher de 1,60 m de altura e 54 kg, IMC= 54/ 1,60X 1,60= 21,09

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