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27.4.02

NON


Ontem fiquei um tempão com um amigo francês ao telefone.

Gosto sempre de ouvir a versão interna para os fatos, deixando o que leio nos jornais apenas como complemento.

Ele falava de susto, de decepção, da sensação de abalo no que se acreditava certo, da acomodação que levou às pessoas a preferir curtir um dia de sol a cumprir o dever cívico e que resultou na chegada de Le Pen ao segundo turno das eleições francesas.

Tive a impressão de que ele estava bastante emocionado do outro lado da linha ao falar do risco que corre seu país de eleger um político de posições fascistas. Ele tem medo de que as inúmeras manifestações que pipocam por todo país (a maior deve ser no 1º de maio) descambem para a violência e que isso ratifique os temores dos que apoiam aquele que crê que o holocausto não passa de ficção. Porque em todo lugar do mundo as pessoas simples acreditam em propostas imediatistas, em políticos que prometam resolver seus problemas já, não importando o preço a ser pago. Porque em qualquer lugar do mundo, é sempre mais fácil jogar a culpa no outro, no diferente, nos estrangeiros...

Entendo as preocupações do meu amigo, mas acho que tudo vai terminar bem ou, pelo menos, retirado o melhor candidato da disputa, o pior não conseguirá eleger-se. O susto serviu para sacudir quem estava acomodado e agora, com tanta gente consciente da importância do comparecimento às urnas, a França vai conseguir livrar-se deste pesadelo.
Ser mãe é:




Além de comprar (e ter que ouvir à exaustão) o CD, procurar letras das música do Gorillaz na Internet.

26.4.02

Quem tem alma de roqueiro é rebelde até quando está recém-operado.

Está sendo duro manter meu amo e senhor longe do mundo das letras depois da cirurgia para correção da miopia. Realmente ficar em casa sem poder ler jornais, revistas, livros, sem poder ficar diante do computador, com restrições à televisão e à cerveja, sem poder praticar nada que inclua contato físico muito próximo é um saco...

Mas que ele está lindinho sem óculos, está...

...pequeno, médio, grande, com aba, sem aba, com aplicador, sem aplicador, noturno, diurno, com floc gel, 100% algodão, extra fino, nova embalagem, leve 12 e pague 10, diário, formato anatômico, aderente, com perfume, neutro, próprio para fio dental...

E você demora um tempão em frente à gôndola do supermercado ou da farmácia para fazer essa escolha em plena TPM. Alguém poderia sugerir uma simplificação, não?

24.4.02



"Faz-de-conta que eu não me importo que os meus post não estejam sendo comentados!"
Eu tinha uns onze anos quando o primeiro do tipo ancorou na minha vida. O processo é sempre o mesmo e já sinto arrepios quando vejo alguém semelhante. Aí respiro, conto até dez, faço uma força sobre-humana para engolir julgamentos precipitados e fico ali, esperando que minha primeira impressão seja desfeita e que eu tenha motivos para abolir os receios.

Mas não adianta. A história se repete.

H. mudou-se para a minha rua com seus pais e irmãos. Incluíram-se na turma com facilidade. A rua onde eu morava tinha poucas casas na época, o bairro apenas deixara de ser considerado Zona Rural. Conhecia todo mundo desde que nascera. Era raro a construção de uma casa nova. Mais rara ainda era a chegada de novos vizinhos.

Depois do jantar, a gente se reunia à frente de algum dos portões. Conversávamos, alguém tocava violão e cantávamos. Era uma idade em que era divertido tanto jogar queimado quanto emular uma paquera. Éramos uns vinte púberes divididos em sub-grupos, com freqüência e permanência variável na confraria.

H. sempre dava um jeito de sentar perto de mim. Puxava assunto. Quando pegava na bola, era sempre para mim que jogava. Suas histórias e piadas sempre tinham algum pretexto para segurar minha mão ou me tocar. Eu sempre escorregando para longe dele. Nunca apreciei suas atenções e nunca tive espírito de cultivar paixonites apenas para ter um grande séquito me acompanhando como via e ainda vejo algumas meninas (e mulheres) fazendo.

Ele começou a ficar mais agressivo em suas investidas e as pessoas começaram a notar. Claro que era prato cheio para brincadeiras de gosto duvidoso entre a garotada do lugar.

Dei uma sumida. Evitava aparecer na rua naquele período entre o jantar e o sono. Ele observava meus horários e sempre aparecia no portão para uma conversa boba quando eu estava voltando da escola ou no ponto de ônibus na hora que eu ia para o curso de inglês. Até então ele era apenas chato, um daqueles sujeitos difícil de despachar, principalmente quando eles não fazem nada realmente grave e são tão bonzinhos. Eu procurava não dar corda, inventava mil desculpas para me desvencilhar, mas meu repertório de escape naquela idade era realmente pífio e, creio, pouco efetivo.

Aí, veio a carta. Cheia de declarações titubeantes e propostas vagas. Pelo menos eu tinha algo concreto sobre o qual conversar e esclarecer a minha posição. Pensei na forma menos dolorosa e ainda assim definitiva de dizer não. Parece que falhei, porque ele apertou o cerco e tomou a resposta como um talvez.

Eu não desgostava dele. Apenas me sentia muito incomodada com uma corte não desejada. E decidi que a única forma de terminar com aquilo seria fazendo o que eu estava evitando fazer para que ele não se magoasse. Fingia não vê-lo ou ouví-lo sempre que possível. Dava a volta no quarteirão para não passar em frente a sua casa. Passei a tomar o ônibus em outro ponto. Mudava os caminhos com freqüência.

E criei um monstro.

Toda hora chegavam aos meus ouvidos coisas horríveis que ele dizia a meu respeito. Ele aprontava de tudo. Acho até que foi ele que andou escrevendo umas coisas estranhas no muro lá de casa.

Uma amiga me convenceu a voltar a freqüentar a rua algum tempo depois. Eu ficava em um canto e ele em outro. De vez em quando eu flagrava seu olhar.

Um dia ele veio andando direto em minha direção, interrompeu a conversa que eu estava tendo e do nada disse que me odiava, que tinha vontade de me picar em pedacinhos. Eu realmente senti medo.

Sumi de novo.

Por sorte, pouco depois a família dele foi embora da rua e eu pude voltar a respirar em paz.

Depois disso, outros vieram e foram. Algumas vezes a questão nem era amorosa ou sexual. Mas são todos muito parecidos na forma de olhar, no cheiro que emanam do corpo, nas palavras...

Um deles me ronda agora mesmo...

23.4.02



JORGE DA CAPADÓCIA
Jorge Ben

Jorge sentou praça
na cavalaria
E eu estou feliz porque eu também
sou da sua companhia

Eu estou vestido com as roupas
e as armas de Jorge.
Para que meus inimigos tenham pés
e não me alcancem.
Para que meus inimigos tenham mãos
e não me toquem.
Para que meus inimigos tenham olhos
e não me vejam.
E nem mesmo um pensamento
eles possam ter para me fazerem mal

Armas de fogo
meu corpo não alcançarão
Facas e espadas se quebrem
sem o meu corpo tocar.
Cordas e correntes arrebentem
sem o meu corpo amarrar.

Pois eu estou vestido
com as roupas e as armas de Jorge

Jorge é de Capadócia
Salve Jorge!
Salve Jorge!

Jorge é de Capadócia
Salve Jorge!
Salve Jorge!

MEL chegou!


Chama-se Melina, tem 2,850 Kg, 48 cm e nasceu às 18:01 de ontem.
É linda e se parece muito com a não menos linda irmã Priscila de 8 anos.
É filha da minha irmã do meio e sorriu assim que a peguei no colo.

22.4.02

DUAS


Os móveis escuros e tapetes, revestimentos, cortinas e almofadas surrados emprestavam um ar melancólico àquela casa. Tudo ficara do mesmo jeito que a mãe deixara. Talvez por isso, quando não saía, ela passasse tanto tempo à janela.

Dali, a uma altura pouco acima da cabeça de quem transitava pela calçada, ela via todo o largo. Mesmo quando nada parecia acontecer por ali, quando as crianças estavam na escola, os adultos nos escritórios ou cuidando de assuntos domésticos, os velhos recolhidos para a sesta, ela permanecia debruçada sobre o batente. Observava o calor da tarde incidindo preguiçoso sobre o triângulo que ela conhecia tão bem. Olhava o chafariz brincando de fazer-se arco-íris. Aspirava o odor das flores que ela ajudara a plantar. Sempre havia com o que ocupar os sentidos apenas jazendo ali.

A vizinha passou e perguntou se ela queria alguma coisa do comércio. Nada estava faltando, mas uma encomenda qualquer seria um pretexto para que a outra subisse para um café e, quem sabe, alguma conversa na volta. Coco! Assim poderia fazer um doce e mais tarde teria motivos para uma visita, para levar um naco para a amiga. Desses pequenos subterfúgios sobrevivia sua pacata vida social.

Retornando, Juju acomodou-se na poltrona coberta por uma manta quase tão rota quanto o forro que pretendia disfarçar. Estava ligeiramente suada, o batom escorrera um pouco pelos sulcos em torno da boca e alguns fios mais rebeldes haviam se soltado do penteado na altura das têmporas. Entretanto percebia-se estar diante de uma mulher que se vestia e perfumava com apuro, mesmo que isso pesasse sobre seu orçamento apertado. Ela mantinha-se apresentável mesmo após caminhar por um par de horas pelas ruas do comércio. Seu rosto estava levemente afogueado e ela, como de costume, trazia algumas novidades para contar.

Lena gostava dela imensamente. Sempre foram amigas e a diferença de idade nunca incomodou. Quando Lena nasceu, Juju já era moça feita. O parto fora complicado e D. Amância permaneceu quase inválida durante o resguardo. Juju, que virava, mexia, arrumava pretexto para aparecer, surgira definitiva e imprescindível, para ajudar no que fosse necessário. Cuidou da cozinha, da neném, da casa toda. D. Amância a tratava como criada e ela parecia não perceber. Tudo estava bem. Ela estava ali. Afeiçoou-se sincera e profundamente a Lena desde seus primeiros instantes de vida. Mas não durou por muito tempo o salvo-conduto de Juju naquela casa.

O pai de Lena elogiava o tempero da vizinha. O corte perfeito dos vestidos que ela mesmo confeccionava. Ria, brincando com ela e a filha na sala. Juju começou a sentir os olhares e palavras ferozes sobre si. Sabia que tinha algo a ver com o homem da casa e, assim que D. Amância pôs-se finalmente de pé, começou a evitar estar lá nos mesmos horários que ele.

Alguns perguntavam se ela não se incomodava com os insultos que saiam da boca de D. Amância e vazavam para os ouvidos dos vizinhos pelas janelas. Ela, verdadeiramente ou não, dizia que não estava certa se realmente sabia do que estavam falando.

Juju sempre fora para Lena um exemplo de feminilidade. A mãe pesadona e marcial, parecia ocupada demais cuidando da dinâmica rígida da casa e esquecendo-se de si. Juju orbitava sua vida e Lena jamais estranhara. Era mesmo assim desde começara a ter consciência de si. Juju permanecia solteira e Lena achava natural que a amiga preferisse estar em sua casa, apesar do humor terrível de sua mãe e das diversas restrições que impunha à presença da vizinha, a permanecer sozinha a dois portões dali. Não passou por sua cabeça perguntar exatamente por que a amiga jamais se casara. Sua natureza não era questionadora.

O pai de Lena falecera quando ela tinha doze anos. Juju tentava consolar a menina, mas acabava chorando junto. Intensificara a freqüência e duração de suas visitas. As duas tiveram que engolir a tristeza e descobrir a leveza para lidar com a dureza de D. Amância.

A viúva tornara-se ainda mais irascível. Exigia nada menos que perfeição em tudo. E demandava atenção especial e total ao adoecer grave e longamente alguns anos depois. Tiranizava a filha e a dedicada vizinha. Não deixava a filha sair para canto algum. Estudo demais e rua não eram coisas que uma mulher direita desejasse. De que adiantara tanto estudo para Juju? Um dia, um homem decente iria buscá-la dentro de casa, isso sim. Mulher sabida demais ficava cuidando dos filhos dos outros.

A amiga, então, contrabandeava livros que Lena lia escondido. Juju trazia novas receitas e especiarias para experimentarem, mudas e sementes para plantarem no largo em frente quando D. Amância se distraia ou caia no sono, ensinava novos pontos de crochê e bordado, ouvia rádio bem alto quando estava em sua casa para Lena também pudesse escutar da janela, já que a mãe não permitia música. Assim, numa rebeldia sutil, sobreviviam às torturas psicológicas a que eram submetidas. Lena, compulsoriamente; Juju, voluntária e solidariamente.

Lena pensava no pai e no que como criança não percebera. Desconfiava que ao pobre havia sido dedicado tratamento semelhante, sob a austeridade e formalidade que lhe impunha a mulher para mascarar um casamento infeliz e apático. Ela lembrava de lampejos de brilho no pai. Ele ternamente sorria para ela e para Juju sempre que D. Amância não estava por perto. Lena tinha um pensamento recorrente que afastava assim que ele começava a tomar forma: D. Amância, ditadora inata, abafara tanto a vida dentro daquele homem que abreviou seus dias. E quiçá tenha mesmo sufocado-se em rigidez, também morrendo cedo demais.

No dia em que D. Amância se foi, Juju segurava sua mão e a da filha. Depois do período regulamentar de luto, Lena começou a experimentar a vida além das fronteiras do seu largo. As amigas iam juntas ao cinema, ao comércio, envolviam-se em alguns projetos sociais e, sobretudo, freqüentavam a casa uma da outra.

Porque era assim, sentadas diante uma da outra, a mulher madura e a cinqüentona sacudida, que compartilhavam a solterice e uma solidão sublimada. Fazia dez anos que Lena e Juju só tinham uma a outra, dividindo o tempo que passava lento. Sem filhos ou netos, maridos ou pais idosos para cuidar, mantinham um ritual cerimonioso de cafés e chás, alguns passeios e uma espécie de dependência silenciosa. Conviviam sem jamais tocarem em assuntos pessoais demais.

Lena, aos trinta e oito anos, cultivava secretamente a esperança de encontrar ainda um grande amor. Dos sonhos românticos de Juju não sabia, mas desconfiava que um amor impossível, inconfessável e eterno a impedira de casar-se com qualquer outro.

A moça da janela era uma vitoriosa passiva. Conseguira, de alguma forma, manter uma improvável alegria de viver. Tirava prazer das coisas mais singelas. Era mansa, era doce, e, não se permitindo pensar demais, era feliz. E sabia que à sua frente estava aquela que ajudara na sua sobrevivência através de uma vida insípida e pálida. Ali estava a amiga, que agora, mais uma vez, perdia os olhos na mesinha repleta de porta-retratos que emolduravam os mortos da casa e erguia, distraidamente, a xícara de café em direção a um sorriso misterioso.