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24.4.02

Eu tinha uns onze anos quando o primeiro do tipo ancorou na minha vida. O processo é sempre o mesmo e já sinto arrepios quando vejo alguém semelhante. Aí respiro, conto até dez, faço uma força sobre-humana para engolir julgamentos precipitados e fico ali, esperando que minha primeira impressão seja desfeita e que eu tenha motivos para abolir os receios.

Mas não adianta. A história se repete.

H. mudou-se para a minha rua com seus pais e irmãos. Incluíram-se na turma com facilidade. A rua onde eu morava tinha poucas casas na época, o bairro apenas deixara de ser considerado Zona Rural. Conhecia todo mundo desde que nascera. Era raro a construção de uma casa nova. Mais rara ainda era a chegada de novos vizinhos.

Depois do jantar, a gente se reunia à frente de algum dos portões. Conversávamos, alguém tocava violão e cantávamos. Era uma idade em que era divertido tanto jogar queimado quanto emular uma paquera. Éramos uns vinte púberes divididos em sub-grupos, com freqüência e permanência variável na confraria.

H. sempre dava um jeito de sentar perto de mim. Puxava assunto. Quando pegava na bola, era sempre para mim que jogava. Suas histórias e piadas sempre tinham algum pretexto para segurar minha mão ou me tocar. Eu sempre escorregando para longe dele. Nunca apreciei suas atenções e nunca tive espírito de cultivar paixonites apenas para ter um grande séquito me acompanhando como via e ainda vejo algumas meninas (e mulheres) fazendo.

Ele começou a ficar mais agressivo em suas investidas e as pessoas começaram a notar. Claro que era prato cheio para brincadeiras de gosto duvidoso entre a garotada do lugar.

Dei uma sumida. Evitava aparecer na rua naquele período entre o jantar e o sono. Ele observava meus horários e sempre aparecia no portão para uma conversa boba quando eu estava voltando da escola ou no ponto de ônibus na hora que eu ia para o curso de inglês. Até então ele era apenas chato, um daqueles sujeitos difícil de despachar, principalmente quando eles não fazem nada realmente grave e são tão bonzinhos. Eu procurava não dar corda, inventava mil desculpas para me desvencilhar, mas meu repertório de escape naquela idade era realmente pífio e, creio, pouco efetivo.

Aí, veio a carta. Cheia de declarações titubeantes e propostas vagas. Pelo menos eu tinha algo concreto sobre o qual conversar e esclarecer a minha posição. Pensei na forma menos dolorosa e ainda assim definitiva de dizer não. Parece que falhei, porque ele apertou o cerco e tomou a resposta como um talvez.

Eu não desgostava dele. Apenas me sentia muito incomodada com uma corte não desejada. E decidi que a única forma de terminar com aquilo seria fazendo o que eu estava evitando fazer para que ele não se magoasse. Fingia não vê-lo ou ouví-lo sempre que possível. Dava a volta no quarteirão para não passar em frente a sua casa. Passei a tomar o ônibus em outro ponto. Mudava os caminhos com freqüência.

E criei um monstro.

Toda hora chegavam aos meus ouvidos coisas horríveis que ele dizia a meu respeito. Ele aprontava de tudo. Acho até que foi ele que andou escrevendo umas coisas estranhas no muro lá de casa.

Uma amiga me convenceu a voltar a freqüentar a rua algum tempo depois. Eu ficava em um canto e ele em outro. De vez em quando eu flagrava seu olhar.

Um dia ele veio andando direto em minha direção, interrompeu a conversa que eu estava tendo e do nada disse que me odiava, que tinha vontade de me picar em pedacinhos. Eu realmente senti medo.

Sumi de novo.

Por sorte, pouco depois a família dele foi embora da rua e eu pude voltar a respirar em paz.

Depois disso, outros vieram e foram. Algumas vezes a questão nem era amorosa ou sexual. Mas são todos muito parecidos na forma de olhar, no cheiro que emanam do corpo, nas palavras...

Um deles me ronda agora mesmo...

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