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21.9.01


Capítulo 1

Todos na família de Helena eram belos. A mãe mantinha uma loja de roupas, que, de alguma forma, lhe dava a confortável impressão de que não havia abandonado de todo a vida de modelo de outrora. O irmão era um atleta de renome, assediado tanto por seu talento quanto por sua aparência que despertava paixões nas mocinhas em tempestade hormonal. Com o pai Helena não tinha muito contato, desde que ela deixara a família para unir-se a uma jovem que, na época, tinha metade de sua idade.

Helena atraía olhares por onde quer que passasse. Ninguém ficava indiferente a ela. Com o tempo ela aprendeu a lidar com pescoços torcidos e olhares perplexos. Helena era incrível e irremediavelmente feia.

A mãe que sonhara com uma bonequinha para reviver seus próprios passos não deixou-se abater por esta adversidade. Desde cedo a menina foi matriculada em cursos de modelo e no balé. Se alguém esboçasse alguma crítica a mãe tinha a resposta na ponta da língüa e aos poucos Helena aprendeu a repeti-la: tinham inveja do seu talento.

Não era de todo mentira. O que lhe faltava em graça e beleza ela compensava com uma técnica irrepreensível. Além disto, era uma pessoa de trato agradável e muito simpática. Assim, aos dezoito anos começou a ensinar seus ofícios sem jamais ter conseguido qualquer contrato ou convite para exercê-los, exceto nos eventos promovidos pela própria mãe.

Helena nunca tivera um namorado. Ninguém estranhava quando ela dizia isto. Estava na cara. Mas havia aprendido bem a lição com mãe e repetia que era muito exigente. As pessoas se entreolhavam. Havia um agravante: os rapazes, principalmente os amigos dos irmãos, consideravam que ela era carta definitivamente fora do baralho e permitiam-se brincar com ela como se ela fosse café-com-leite. Gracejavam, simulavam convites e olhares apaixonados, como em casa fariam com uma tia idosa ou alguém que se visita no hospital. Achavam-se divertidos e imaginavam que ela jamais poderia levar aquilo a sério. Mas ela levava. E diante do recuo quando fazia menção de retribuir as atenções afirmava que os meninos de hoje não queriam compromisso de verdade.

O irmão não interferia nestes assuntos. Agia naturalmente, como se nada fosse. Silenciosamente compactuava com o jogo das mulheres da família. Se mesmo os estranhos, apreciando o bom gênio da irmã, poupavam-na de um confronto com a realidade, por que ele, sangue do seu sangue, deveria despertá-la de sua fantasia?

Assim, a jovem seguiu com sua auto-imagem distorcida até que...

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