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14.12.01

Houve festa.

Nenhuma novidade. Nesta época do ano abundam celebrações.

Faltava pouco tempo para a hora do encontro e lembrei que não tinha preparado o quitute que havíamos combinado que cada uma levaria. Esta é a vantagem de ser uma mestre-cuca de meia tigela. Todas as minhas receitas são práticas e rápidas. Em pouco tempo já tinha em mãos um bolo cheiroso e bonitão (gostoso também, disseram).

E foi na hora de arrumá-lo para o transporte que me dei conta da forma como o fazia. Coloca o pano assim, puxa essas pontas para cá e amarra com um nó específico, puxa as outras pontas e amarra só um pouquinho diferente. De onde tirei isso? Lá de trás fui puxando lentamente um fio comprido de memórias.

Como era mesmo o nome dela? Não sei. Mas me lembro do cheiro bom de lavanda que invadia o ambiente quando ela chegava. Seus cabelos crespos estavam sempre muito bem arrumados num coque e enfeitados com presilhas, pentes e grampos coloridos. Suas roupas nunca eram novas, mas estavam invariavelmente muito ajeitadas e combinadas com capricho. Seus filhos, um casalzinho, apresentavam também muito apuro no quesito cuidados com a aparência.

Essa senhora era viúva e para dar conta de criar os meninos lavava roupa para fora. Eu achava bonito sentar ao lado dela e ver as palavras surgirem desenhadas formando o rol. E era tão interessante a forma como ela amarrava a trouxa. Coloca o pano assim, puxa essas pontas para cá e amarra com um nó específico, puxa as outras pontas e amarra só um pouquinho diferente. Gostava muito de olhar para ela. Uma das minhas fixações de infância eram as peles. A dela era muito lisa e negra e, nos dias de calorão, criava-se um bigodinho de gotículas sobre suas palavras doces. Um dia minha mãe elogiou o requinte. “Não é porque sou pobre que devo ser desleixada”.

Também morria de amores por uma senhora talvez nem tão velha quanto a relatividade da minha pouca idade indicava. Toda vez que se falava em século, minha imaginação corria para a sua imagem. Ela era um encanto com as crianças. Tinha sempre balinhas e outras delícias no bolso do avental que não tirava nem para ir à rua. E histórias, muitas histórias. A maior beleza dela, eu achava, era a pele completamente enrugada, como os urbanos já quase não vêem. Ela viera do campo, trabalhara de sol a sol e a marca de cada raio estava ali cravada. Eu me deslumbrava com a maciez de seus braços flácidos, achava que para se ser assim tão leve era preciso ter algo de angelical. Criança maravilha-se até com encarquilhamento...

“Mãe, o que é desleixada?”

“Mãe, faz umas traças em mim como as da filha da D. Lavadeira?”

“Mãe, quando eu ficar velhinha vou ficar igual à Vovó Donana?”

“Mãe, olha só a trouxa que eu fiz para fazer de conta que vou fugir de casa!”

E assim, construímos o que somos...

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