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17.12.02

Desabafo de uma cidadã

Não ia comentar porque não gosto de ficar escarafunchando em sujeira, mas duas coisas me fizeram perceber que eu tinha a obrigação moral de colocar em palavras os meus sentimentos. Talvez por ter a esperança de não ser a única a sentir tanto asco, o programa de televisão no domingo e a manchete do jornal hoje me impeliram a escrever.

Há alguns dias o Brasil ficou boquiaberto com a sentença de inocente que receberam os policiais que assassinaram o seqüestrador do ônibus 174. Conhecendo a precariedade de um código penal que necessita urgentemente ser revisto e ainda contado com a possibilidade de muitas mutretas que poderiam aliviar a pena dos policiais exatamente por serem policiais, ainda assim me senti ultrajada ao saber do veredicto de inocência. Inocência, caramba! Não é trabalho comunitário, nada de sursis, não é apelação a um tribunal superior. Os caras mataram um homem e foram considerados inocentes. Eu vi, você viu, o mundo inteiro viu, Sandro, o seqüestrador entrou vivinho no camburão e apareceu morto do outro lado. Não há qualquer dúvida sobre quem, onde, como ou porquê. Todo mundo sabe, todo mundo viu! Inocentes? O cacete!

Mas foi pior. Foi júri e não um membro do sistema judiciário que decretou que os policiais podem matar pessoas rendidas e desarmadas. Foram cidadãos como eu e você que consideraram que policiais podem julgar e executar. Foi uma gente que não sei como consegue dormir ou encarar os próprios filhos que disse apoiar o retorno à barbárie, a abolição da lei, que aceita que qualquer um se equipare a um assassino, tornando-se assassino também, só que inocentado perante a lei.

Pois quem concorda com o discurso do advogado Clóvis Sahione, notório defensor dos indefensáveis, que afirma que ele mesmo seria capaz de matar uma sujeito que matasse uma filha dele, talvez não tenha reparado no paradoxo criado. Se os policiais são inocentes porque mataram Sandro, já que ele era um marginal, um assassino, um seqüestrador, Sandro também teve razão em atirar contra a sociedade que negou a ele a cidadania, atentou contra sua vida em uma chacina quando ele ainda era criança, esfaqueou e matou sua mãe diante dele quando ele tinha seis anos.

Não, Sandro não é santo, não é mártir, não é herói. Os policiais que mataram Sandro também não são inocentes.

Minha tristeza é profunda. É sabido que o ser humano pode dar errado e ter o caráter corrompido e pode tornar-se um bandido, um seqüestrador e um assassino. E a gente também sabe que pode acontecer de brotar, dentro da corporação policial, profissionais despreparados que podem se transformar, eventualmente, em uma ameaça à sociedade. O que pessoas de bem esperam é que tanto uns quanto outros sejam julgados e condenados por seus crimes. É assustador pensar que, dentro de nossa malha social, pessoas acreditem que há outras formas de se fazer justiça.

Acredito que as pessoas que concordam com este veredicto absurdo e nojento sejam as mesmas que vivem afirmando que este país é uma merda e/ou que sentem vergonha de serem brasileiros. Se tomam todos os brasileiros por sua própria hierarquia de valores, têm mesmo muito do que se envergonhar. Ao final do julgamento, ao ver-se obrigada a liberar os policiais assassinos, a juíza, melancólica e acertadamente lembrou que cada sociedade tem a justiça que merece. Pois eu gostaria de acreditar que os revoltados como eu neste momento formam a maioria. Quero, de todo o meu coração, crer que aqueles jurados não representam a forma de pensar do meu país.

Hoje a machete do jornal fala do envolvimento de deputados, juizes e ministro com o tráfico de drogas. Que seja. Agora quero ver estas pessoas sendo exemplarmente punidas. Não aceito que, diante de todas as evidências, mais uma vez tenhamos que aceitar criminosos como inocentes.

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