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12.12.03

Tendo a respeitar as coincidências num fervor quase religioso. Quando alguma coisa começa a repetir-se, um tema torna-se recorrente em minha vida, costumo pensar que algo quer me chamar a atenção para aquilo. Nunca perdi nada com isso, nem tive motivos para me arrepender. Portanto continuo seguindo faro e instintos.

Uma das minhas primeiras professoras costumava brincar com a minha mãe, que trabalhava na mesma escola onde eu estudava, dizendo que eu tinha sangue azul. Ela referia-se ao meu narizinho empinado, que, ao que tudo indica, pela precocidade do comentário da mestra, é inato. Foi mais ou menos nessa época que tive o primeiro problema por causa dele, o nariz.

Fui uma criança quieta, muito mais de prestar atenção do que de falar. Na escola, conseguia ser ainda mais silenciosa, respondendo apenas laconicamente o que me era perguntado. E um dia a professora perguntou qual era a profissão do meu pai e onde ele trabalhava. Eu respondi que ele era médico de bichos e que estava trabalhando fora do país. Naquele época, viagens ao exterior não eram comuns como hoje e eu estudava em escola pública, onde pouquíssimas crianças eram filhas de "doutor". E, aos 5 anos, ainda não tinham me ensinado o que significava a palavra inveja.

Um menino levantou de sua carteira gritando: "Mentira, sua mentirosa, mentira!"

Ele empunhava um lápis de ponta recém-afiada como Anthony Perkins empunhava a faca na cena do chuveiro em Psicose. Não me acudisse o reflexo e hoje talvez fosse cega de um olho. A ponta do lápis cravou-se na palma da minha mão e quebrou. Eu, que sempre fui fraca para cenas de sangue, fui carregada pelas escadas, gotejando até a secretaria.

Desde então, por mais discreta que seja, vez ou outra desperto este tipo de fúria. Pessoas bem-resolvidas, com a auto-estima, serotonina e a endorfina em dia costumam ser imunes a este meu talento para involuntariamente (e às vezes deliberadamente, como nesta frase) excitar vis instintos nos medíocres.

Uma amiga me disse ainda outro dia que eu deveria evitar fazer coisas que mexessem com a invídia. Respondi pra ela que era impossível, a não ser que eu deixasse de ser eu. Naquela sala de aula, não estava exultante, mas muito triste porque meu pai estava longe. Entretanto, o invejoso não vê as coisas como são. Ele enxerga as coisas pelas lentes das próprias comparações, que sempre dizem que ele está em desvantagem e que portanto houve uma injustiça cometida contra ele que precisa ser reparada. E a realidade não tem a mínima importância.

Alguns acham que inveja é o simples desejo de cópia. Não é. Isso seria cobiça. Inveja é querer que o outro não tenha, é o desejo de destruição. Mas como ele se acha inferior, raramente tem a coragem e a ausência de máscara do meu coleguinha. Sua arma não é um lápis. São indiretas, fofocas, maledicências, sabotagem, calúnia...

Todavia, apesar da cicatriz na minha mão direita, graças às suas viagens e pesquisas por toda América Latina, meu pai tornou-se um dos maiores especialistas brasileiros em febre aftosa e foi um dos responsáveis por sua erradicação no nosso país (com recentes e raros focos); cresci e sou eu, com todos os meus inúmeros defeitos e algumas qualidades apreciáveis, gosto de crer. Os cães ladram e a caravana passa. Ah, sim. Estou me gabando do meu pai agora. Sinto muito sua falta desde que ele passou para outro plano espiritual. E toda vez que sou obrigada a recordar de episódios como este, sei que não é coincidência: tenho uma missão e enquanto ela não for cumprida vou precisar ser lembrada dela.

Voltando à cópia, um amigo alerta para as diversas cópias de um texto que ele escreveu e que é republicado pela grande rede nem sempre com os devidos créditos. Como fazia muito tempo que não olhava o que anda rolando por aí de meu, fui brincar de Google. E eis que descubro, pesquisando meu nome e sobrenome, que uma antepassada casou-se com um barão.

Minha professora não estava tão errada em sua brincadeira, afinal.

(Gente sadia não vai ver sub-textos neste post e pode até achar divertida, como eu achei, esta história.)

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