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23.10.01

Chamando a atenção

Não sei se é uma questão de deslocamento espacial ou temporal. A verdade é que certas expressões comuns na minha infância raramente chegam aos meus ouvidos nos dias de hoje.

Vagando pela calçada, acompanhei a conversa de uma mulher que levava o filho pela mão e dirigia-se ao marido. Ela mesma parecia ter saído de um canto recôndito da minha memória. Usava um vestido colorido barato, tinha um pano amarrado à cabeça que merecia um tratado de cultura afro-brasileira, o corpo rijo das jovens lavadeiras, uma fala de veludo e a pele negra era homogênea e brilhante. Tudo nela exalava elegância popular. Era destas mulheres que quase já não vejo, criada com feijão, verduras e legumes da horta da mãe, ovos e galinha do quintal e frutas roubadas dos galhos que escapam pela cerca do vizinho.

Ela contava que havia chamado a atenção da filha. Onde ainda se chama a atenção de alguém? Hoje briga-se, dá-se esporro, no máximo uma chamada. Os metidos a intelectuais desancam. O malandro dá uma idéia, um toque... Minha avó chamava a atenção.

E este ato revela uma relação hierarquizada. Quem faz isto deve ter forte influência moral sobre o chamado. E carece de classe, não deve humilhar, precisa apontar seus argumentos e razões sem tornar-se agressivo. É necessário também deixar claro que ao chamar a atenção não há chance para questionamento ou debate. Fica implícito que tudo deve ser acatado ou passa-se então para a fase de punição.

Talvez exatamente por tudo isto a expressão tenha caído em desuso. Os que chamavam a atenção geralmente eram aqueles a quem pedíamos a bênção.

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