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22.10.01

A chuva cai afastando a ameaça de um verão sem ar condicionado.

As gotas de chuva formam um pequeno rio nas canaletas que formam os trilhos por onde correm os portões de ferro da garagem do prédio. Há uma certa poesia nisto e demoro a identificar o que é. São memórias remotíssimas da casa da minha infância onde a criança quieta e tímida que fui passava muito tempo obrservando as brincadeiras da água que vinha do céu nas vidraças e depois nas esquadrias, passeando em trenzinhos líquidos.

Estas percepções minúsculas de coisas absurdas foi parte da minha vida íntima por muito tempo. Durante as viagens eu me entregava ao zumbido do carro em movimento, à massa verde que a vegetação ao lado da estrada criava com o movimento acelerado, as listras contínuas que apareciam no asfalto quando sua heterogeneidade era submetida à nossa velocidade. Este era meu mundo particular. Só eu via estas coisas, eu pensava então.

O filme foi muito comentado na época, mas o que mais me encantou foi perceber que alguém compartilhava desta minha visão um tanto alucinada. Rain man tem umas cenas vistas pelo olho do autista que reproduzem meu pequeno universo. Foi assim que descobri que não sou tão original quanto pensava. A vulgaridade assusta, mas é bom não se sentir tão só.

Foi mais ou menos a mesma sensação que tive ao descobrir que a drag queen que vive em mim tem a sua turma. Sou uma ploc enrustida [o JB online está com problemas, por isso não tem link para a revista de Domingo com matéria de capa sobre esta nova tribo urbana]. Um dia vou deixar de lado os escrúpulos e sair por aí com uma mochila com a cara de uma das Meninas Superpoderosas estampada. Ou, quando a poeira assentar e eu for de novo a Nova Iorque, gasto uma pequena fortuna na Ricky´s da Brodway, comprando fiapos de cabelos coloridos e outros apetrechos exóticos para usar quando for ao supermercado.

Minha sogra diz que velhos são os outros. Pois então. A turma da minha auto-imagem, que ainda está na casa dos vinte e pouquíssimos, é esta. Esta jovem senhora séria e respeitável não sou eu. O espelho está mentindo! Vou ignorar o que ele diz e apenas observar a chuva reinando no meu universo diminuto.


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