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26.11.01

Não importa de onde venha o tema para debate. Se o assunto levantado é interessante, vamos a ele.

“Fico imaginando minha filha casada com um negro e meus netos sararazinhos, eu passando henê neles.”

“Não tenho preconceito. Agora vou ser bem sincera. Acho que ele entrou nessa de ingênuo. Ela seduziu o menino. Que chance ele teria de isso acontecer em outra situação? Quando é que uma menina bonita, loira, classe média, com uma bela casa com piscina na Barra da Tijuca ia se jogar em cima de um rapaz como ele? Em troca de quê?”

Para quem não sabe, ou porque mora fora do Brasil, ou porque não abriu qualquer jornal ou revista na última semana, essas declarações são de uma participante do programa No Limite, reality show apresentado na Rede Globo aos domingos.

Não vou discutir o programa, nem a fabricação de personagens bons e maus, nem porque outras declarações envolvendo judeus não causaram o mesmo alvoroço. Quero me deter única e exclusivamente nas declarações desta senhora e parte do que está envolvido aí.

Diversas instituições de defesa contra o preconceito estão se mobilizando para abrir processo. Vejo as duas declarações de formas distintas. A primeira denota somente ignorância, raciocínio raso, simplicidade de uma mente sem questionamento, que apenas reproduz o que lhe foi ensinado. Aí não existe a figura do Adulto, apenas do Pai, como diriam os aficionados por análise transacional. E seria muito fácil embarcar na onda dos conceitos pré-concebidos e afirmar que de uma dona de casa cuja atividade principal é exercitar-se numa academia não se poderia esperar algo mais elaborado. Contudo, não conheço esta pessoa e não vou cair na armadilha das facilidades simplistas.

A declaração que realmente preocupa, ou deveria, é a segunda, porque nela está implícita a idéia de que um negro não tem nada a oferecer num relacionamento. É idéia corrente que afro-descendentes devem pertencer sempre às classes menos favorecidas e já ouvi inúmeras vezes comentários relacionados à surpresa causada ao se conhecer um negro bem-sucedido financeiramente. Entretanto o comentário vai além. Não é apenas uma questão de assumir que talvez haja problemas financeiros. Não ter nada a oferecer num relacionamento implica em ausência de humanidade. Isso me faz lembrar das grandes reuniões de época remotíssimas quando se discutia se os índios teriam ou não alma.

A situação se agrava. A princípio, a participante se ressente de um suporto esquema escuso criado pela outra competidora, seduzindo um rapaz para conseguir manter seu lugar no programa. Seus argumentos para denunciar tal artimanha, todavia, não são direcionados ao fato de uma mulher seduzir um homem, mas de uma loira seduzir um negro. Seu inconformismo com a situação chega às raias do desespero. Ela sofre. E muito.

Está aí, penso eu, o problema da rapidez com que incorporamos idéias repetidas sem processamento. Compreendo que existam cabeças modestas, para as quais um conceito geral deva ser aplicado sem restrições a toda situação. Se assim não fosse, não encontraríamos médicos que diagnosticam apenas considerando os livros, não o paciente que está à sua frente; mães que pretendem educar todos os filhos da mesma forma, sem considerar suas personalidades; engenheiros que utilizam projetos aprovados no exterior sem considerar o calor tropical brasileiro... No entanto, há uma hora em que se chega ao inadmissível. É quando deixa-se de ser apenas estúpido para tornar-se execrável.


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