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23.6.04

O FEIJÃO, O SONHO E A VIAJANTE DO TEMPO


Ao dobrar a esquina, na calçada estreita, quase tropecei no casal de adolescentes que, de pé, debuçavam-se um sobre o outro. Ele, protetor, talvez carrasco, passava um braço sobre os ombros dela e com a outra mão enxugava suas lágrimas. Ela, sofrida, quem sabe dissimulada, apoiava de leve a cabeça no ombro dele e murmurava sua lamúria.

Lembrei daquele meu sonho que jamais se realizará e quase chorei de novo. Um dia as lágrimas para essa quimera secarão e eu também. No vagar vespertino da rua residencial, quase pude me ver sentada ali no meio-fio, com aquele vestido quadriculado que eu adorava aos 8 anos, segurando o joelho ralado e ensangüentado e tentando engolir o pranto que poderia desencadear mais uma bronca. Era a menina na cena, sua voz, mas fala era minha:

- Mas, mas, mas... (fung, fung, fung) Tenho tanto amor pra dar aqui dentro de mim.

Não gosto de pet shops nem daquelas gaiolas, com bichinhos aprisionados, mas parei diante daquela, hipnotizada pelo olhar órfão do cãozinho. Perguntei telepaticamente se ele me entendia. Ele continuou me olhando, melancólico e solitário. Achei que a vitrine era um espelho. O gato siamês no box ao lado também me olhou. Só que altivo, desafiador, seguro e firme. Achei que também aquela vitrine era um espelho.

Subi as escadas do prédio antigo, brincando de claro e escuro com suas clarabóias. No fim dos degraus, a viajante do tempo me aguardava com cheiro de feijão.

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