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17.10.01

Assinando embaixo I

Mentes simples e complexas
por Affonso Romano de Sant`anna
(O Globo)



Essa guerra no Afeganistão está servindo para aclarar que vivemos o embate entre mentes simples e mentes complexas.A mente
simples é retilínea, plana.

A mente complexa é curva, elíptica.

A mente simples acredita que somando dois com dois vai chegar ao quatro.

A mente complexa sabe que somando dois com três pode chegar a vários resultados, até mesmo, eventualmente, ao quatro.

A mente simples afirma que a linha reta é a menor distância entre dois pontos.

A mente complexa sabe que o universo é curvo e que, portanto, a curva pode também ser a menor distância entre dois pontos.

A mente simples acredita que o que não é branco é preto.

A mente complexa sabe que existe um espectro de cores e é com essa palheta que se chega ao arco-íris.

A mente simples diz furiosa: olho por olho, dente por dente.

A mente complexa pondera com Gandhi, que dizendo olho por olho acabaremos todos cegos e desdentados.

Esta guerra, portanto, tem seu lado pedagógico para quem quiser aprender alguma coisa.

Lembram-se de quando dividíamos o mundo em esquerda e direita?

Era um topológico equívoco. Só porque durante a Revolução Francesa, na Assembléia Nacional, os que queriam mudanças
sentavam-se à esquerda e os que queriam conservar as coisas estavam à direita, passamos todos a pensar topicamente.

Mas logo, logo o sangue que escorria dos cadafalsos nos mostraram que ele fluía da direita, fluía da esquerda, fluía do
centro.

Hitler não era de direita nem Stalin de esquerda.

Hitler e Stalin eram mentes perversamente simples.

Isto que estamos assistindo em torno do Afeganistão não é um conflito entre o mundo islâmico e o mundo cristão.

É um conflito entre a mente simples e a mente complexa.

A mente simples não vê matizes.

É o bem contra o mal, o certo contra o errado, o Ocidente versus Oriente.

Por isto é possível detectar entre os ocidentais os que têm mentes simples e entre os orientais os que têm mentes complexas.

Por isto é possível, até mesmo entre aqueles que dizem que estão à esquerda e à direita, perceber os que têm mentes simples e os
que têm mentes complexas.

Vejo uma série de coisas expressas por escritores nesses dias. Espera-se que o artista e o intelectual estejam habilitados a lidar
com o simples e o complexo. Nem sempre. Se há intelectuais que estão tentando ver as nuances do conflito, há aqueles como
Oriana Fallaci e Salman Rushdie que ostentam uma retilínea reação verbal.

O terrorista tem uma mente terrivelmente simples.

O militarista, não necessariamente o militar, tem uma mente armadamente simples.

O pacifista, até o pacifista, pode ter uma mente desarmadamente simples.

A arte não é uma coisa simples, embora alguns a simplifiquem em receitas, objetos de consumo e marketing.
Bruneleschi e Alberti, que descobriram a perspectiva no Renascimento, não tinham uma mente simples. Goya não tinha
uma mente simples. Clarice não tinha uma mente simples. Nem Guimarães Rosa. Bach era simplesmente complexo.

A mente complexa é a que está sempre aberta para novas dimensões. Newton percebeu dimensões novas no universo.
Einstein agregou a quarta dimensão. E agora Stephen Hawking nos anuncia que há pelo menos 21 dimensões ou realidades
diferentes.

Olhemos a biologia: o ovo não é quadrado. O coração não é retangular. O DNA são espirais que se procuram a si mesmas num
interminável balé de curvas.

Olhemos as galáxias. E os ventos. E os vulcões. E as tempestades. Não são simples, não marcham em linha reta.

O amor, ah! o amor, não é, nunca foi uma coisa simples.

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