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18.10.01


Assinando embaixo III


Ensinando integridade
(Tania Zagury, O Globo, 02.07.2001)


Contou-me uma amiga que, outro dia, seu filho chegou em casa exultante.... Afinal, não é sempre que se tira dez em física. Ela percebeu, no entanto, que o professor havia se enganado na correção.

Qual não foi sua surpresa quando o menino lhe disse que não poderia, de forma alguma, apresentar o erro para revisão, porque "ninguém devolve nota". Foi preciso muita paciência para convencê-lo. Tinha medo das gozações dos colegas.

Às vezes é um fato corriqueiro que nos faz perceber quantos difíceis dilemas as crianças têm que resolver até que se tornem adultos
íntegros.

Não faz muito tempo, ser um bom menino significava, como dizia o palhaço Carequinha, não fazer pipi na cama nem fazer malcriação, concluir o trabalho de casa com capricho, deixar o quarto mais ou menos arrumado, não falar palavrão, dirigir-se respeitosamente aos mais velhos; tarefas, enfim, razoavelmente simples de serem aprendidas. Isso porque valores como
honestidade e integridade não estavam ainda em discussão.

Ser um "bom menino", hoje, significa não apenas saber o que é certo ou errado, mas também conseguir se opor a atitudes (bem freqüentes) que contrariam os princípios norteadores da sociedade - o que não é nada fácil nem para adultos, quanto mais para crianças e jovens.

Opor-se ao grupo e fazer escolhas adequadas demanda forte grau de segurança. Mais ainda: significa que nossos filhos têm que estar certos, em primeiro lugar, de que solidariedade, justiça e honestidade, por exemplo, não estão "fora de moda". Precisam, acima de tudo, acreditar que, mesmo quando parte dos homens não respeita esses princípios, não há a mínima condição de vivermos com segurança sem eles.

Como convencê-los, no entanto, se a TV, as novelas, as atitudes de muitos adultos, os jornais, alguns programas humorísticos e até certas músicas os bombardeiam com mensagens antiéticas? Como convencê-los, se parte dos colegas, com os quais convivem, quebra vidraças, desrespeita os mais velhos, picha muros, destrói o mobiliário das escolas, dirige sem carteira aos 16
anos ou falsifica documentos para poder entrar nas boates antes da idade permitida em lei, por vezes com a anuência dos responsáveis?

Criar adultos dignos depende basicamente de duas coisas: da maneira pela qual nós, pais, vivemos o dia-a-dia e da confiança que temos nos valores que guiam nossas ações. Ou seja, é necessário não só sermos íntegros, mas também não duvidarmos da força dos nossos princípios.

Quando crianças e jovens percebem nos seus mais fortes modelos (nós, seus pais!), segurança inabalável na retidão, na cooperação, na honra - independente do que estejam fazendo os vizinhos, parentes e amigos - eles muito provavelmente também acreditarão. Se, ao contrário, já que há tanta corrupção e impunidade, os próprios pais começam a afrouxar seus conceitos ou a repetir diariamente que "o Brasil não tem jeito", em que irão seus filhos acreditar? Por que e para que irão lutar?

O perigo maior para um jovem não são as drogas: é não crer no futuro e na sociedade em que vive. A falta de esperança, essa sim, é que pode levar à depressão, ao individualismo, ao consumismo exacerbado, ao suicídio, à marginalidade e às drogas. Em contrapartida, a convicção de um caminho produtivo a ser trilhado e o desejo de contribuir fazem com que os jovens progridam, criem, estudem e realizem. E para ter essa confiança, eles precisam conviver com pessoas que não apenas vivam de acordo com esse modelo, mas também que não se deixem abalar pelas notícias negativas que saem diariamente na mídia.

Existe, sim, gente desonesta, o que não significa que muitos outros - muitos mais - não sejam dignos, trabalhadores e corretos. Precisamos lutar vigorosamente para que nossos filhos percebam que quem leva o Brasil adiante é "a maioria silenciosa", aquela que é formada por pessoas honestas e trabalhadoras, e que, por isso mesmo, não constituem notícia, nem, portanto, aparecem nos jornais e na TV.

Os pais têm papel primordial na estruturação do caráter dos filhos. Resgatar a ética é hoje questão de sobrevivência. Que jovem poderá resistir às pressões negativas de uma sociedade em crise, se não aquele que tenha internalizado o respeito por si próprio e pelo outro?

Para isso é preciso, em primeiro lugar, que se reconheçam num modelo - isto é, que saibam quem são, que façam identificações adequadas. E para tanto precisam de modelos fortes e seguros, que não duvidem nem desanimem a cada notícia negativa nos jornais, ou a cada mau exemplo nas vizinhanças.

Muita gente acha que ensinar integridade é impossível nos tempos modernos. Talvez ignorem que isso se faz basicamente através de exemplos concretos de vida. Se os pais, "sem muito discurso", vivem de acordo com princípios, estarão encorajando os filhos a seguirem seus passos, mesmo sem perceber.

Quer dizer, não mentindo, não aceitando uma conta errada no restaurante, chegando à hora combinada aos encontros, respeitando a lei, não mudando ou querendo mudar as regras do jogo de acordo com as conveniências do momento, e, especialmente, não disseminando amargura e descrença, simplesmente porque nem todos agem de maneira honesta. Na grande maioria dos casos, essa forma de viver será suficiente para que seus filhos acreditem nos valores.

Afinal, não podem contestar - estão vendo! - que vocês vivem de acordo com o que defendem.

Por fim, é bom lembrar que, especialmente quando nossos filhos chegam à adolescência, quase com certeza irão opor alguma (ou bastante) resistência ao que defendemos. Não nos deixemos iludir pelas aparências - especialmente não desanimemos! Eles estão lutando para se independentizar, e isso pode significar ficar contra tudo (literalmente tudo, para nosso desespero) que
nós, pais, postulamos.

Ainda que seja difícil acreditar, nossas lições nunca são inúteis. Enquanto nossas atitudes forem coerentes com nosso discurso, estaremos provendo a base para a qual eles retornarão, quando a época da rebeldia terminar. E, mesmo na fase mais aguda de auto-afirmação, raramente se afastarão dos conceitos essenciais. Poderão até fazer algumas bobagens, mas nada que fira de forma irremediável a ética e os valores que aprenderam, por toda sua curta vida, a respeitar.

Mesmo quando parece que não nos ouvem nem vêem, é a nossa integridade que serve de fundamento para nossos filhos, hoje e sempre.

(Tânia Zagury é filósofa e mestre em educação)


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