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28.5.03

Outro dia retomei conversas com uma pessoa de quem gosto muito, mas que a vida tinha levado numa onda para mais distante. Pois outra onda trouxe a amiga para perto novamente, agora que nas reuniões já não precisamos ficar todo o tempo atrás de nossos respectivos filhos. Também ela tem a vida toda cronometrada, cada pequeno evento encaixado artesanalmente de forma que nenhum dos aspectos cotidianos de uma mulher moderna seja negligenciado. Com um pouco de disposição e organização é possível lidar com peões sonsos, porteiros abusados, treinadores sarados, educadores amalucados, clientes estressados, familiares carentes, filhos instantes, maridos famintos e cabeleireiros afetados com diferença de poucos minutos ou, em alguns casos, até simultaneamente. Minha vida, assim como a desta parenta afetiva e de várias outras mulheres, é um Diagrama Pert.

Entretanto, não há organização e planejamento que sobreviva ao inesperado, ao insólito, ao - talvez - sobrenatural.

Era aquele dia da semana em que normalmente deixamos para cumprir algumas questões práticas que exigem decisões de casal. Em dias assim, deixamos o moleque no curso e aproveitamos aqueles instantes para resolver algumas pendências. O curso começa exatos 70 minutos depois que ele é liberado da escola. Neste tempo, é preciso que ele se desloque da escola para casa, tome banho, vista-se (com a roupa que eu separei), jante, escove os dentes e desloque-se de casa para o curso. Normalmente é tempo suficiente. Enquanto ele toma banho (graças a Deus as crianças crescem!), eu sirvo seu jantar e enquanto ele janta, termino de combinar alguns detalhes com meu parceiro de empreitada. Para que funcione, é preciso que eu já esteja pronta, do tamanco plataforma ao batom, quando os dois homens da minha vida aportam em nosso lar doce lar.

E foi num desses dias, bem na hora em que eu fechava a tenda, ou melhor, desligava o computador, e me preparava para entrar no banho que eu ouvi um barulho assustador. A auxiliar para serviços domésticos tinha acabado de sair, portanto o outro único ser que poderia ser causador e vítima era minha sogra, já que o hamster e o canário, e evidentemente as samambaias, haviam sido eliminados da suspeita dada a grandiosidade do estardalhaço. Enquanto eu ia em direção ao quarto dela, encontrei-a vindo em minha direção e nos fizemos a mesma pergunta:

- O que que aconteceu?

Já que não havia culpados ou feridos, fui passando, com calma, todos os cômodos em revista até que pressionei o interruptor da cozinha e não obtive a resposta esperada: luz. Com ajuda da pouca claridade que ainda vinha da janela naquele início de noite, examinei o lugar onde deveria estar a luminária e encontrei o nada. Minha educação européia não vai deixar que eu reproduza aqui o puta-que-o-pariu que eu soltei ao ver as quatro lâmpadas mais a estrutura que as sustentava completamente espatifadas no chão da cozinha.

Sabe aquele tempinho que eu tinha para me arrumar? Pulou para debaixo da vassoura e dela para cima da pá e de lá para dentro do jornal e do saco de lixo. Ainda deu mais uns passos agonizantes com o meu olhar biônico de mãe em busca de algum caquinho derradeiro e estertorou nas tiras do esfregão, suspirou naquele pensamento mórbido cheio de "e se" (a empregada grávida, o filho pequeno, a sogra idosa, o marido grande e forte, mas mortal) e esticou as canelas definitivamente na virada da chave que anunciou a chegada dos meus amores.

E o mais incrível é que estrondos assim quase mortais, em acidentes vindos do além, não acontecem pela primeira vez em torno de nós, embora seja a primeira vez na casa nova. Mas isso é outra história.

Esta aqui termina com o garoto chegando à aula na hora certa, pela mão de uma mãe que acabara de colocar os brincos e de passar o batom dentro do carro, onde naquele exato momento um marido esperava por ela para executar uma daquelas tarefas conjuntas. A daquele dia envolvia acertos para uma celebração de vida.

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