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23.2.02

Do baú

AMIGO É PRÁ ESSAS COISAS

- O que é que houve, meu camarada? Tu tá amuado, nem parece o meu chegado Tonhão...
- Nem te conto...
- Aaaaaaah, não! Cê vai me dar licença, mas eu vou sentar aqui e ficar
contigo até tu abrir esse peito e contar tudinho que tá te azucrinando. Quem sabe eu posso te ajudar? Às vezes só falar já alivia. A gente somos ou não somos camaradas?
- Somos... Claro! Mas é que é coisa minha, cê sabe... Daquelas que a gente num conta nem pro travesseiro. Cê tá me entendendo?
- Olha, Tonhão. Vamu fazer o seguinte: tu toma uma por minha conta. Traz uma aí, Pará! Põe aqui pro Tonhão que ele tá na precisão. Valeu! Toma! Vira! Isso, garoto! E então, deu prá esquentar? Tá melhor, num tá? Quer outra? Pará, mais uma. E põe na minha conta, que eu tô podendo. Te contei, Tonhão, que fiz um serviço numa casa de madame? Fiquei meio cabreiro porque madame é muito bom na hora de encomendar, mas na hora de pagar é outra história. Mas a perua pagou tudo, de uma vez, direitinho e gostou tanto que já deu dica de
outras colega dela prá mim visitar e ver se descolo alguma outra bocada. Puxa, tua cara já melhorou. Viu só? Num tem mágoa que uma água que passarinho não bebe não resolva...
- Tu deve de estar certo... E sabe o quê? Eu é que devo estar vendo coisa, procurando chifre em cabeça de cavalo...
- Ih!... É coisa com comadre Nega, é?
- E o que mais havera de me deixar desse jeito, homem? Aquela nega é minha vida, tu sabe...
- E o que que houve?
- Tu conhece a Nega... Tem aquele jeitão despachado, cara de braba, mas a gente se damos bem. Ela briga, reclama, mas quando escancara aqueles dente e solta aquela gargalhada, alumia até noite sem lua.
- Pois então...
- Agora deu prá não sorrir mais. Nem xingar meus sapato no meio da sala ela xinga.
- Hum...
- Tu sabe que com criança pequena em casa as coisa de casal muda um pouco, né? Tem que esperar o Uoxinto dormir para a gente podermos vadiar... E às vezes ele dorme depois de mim... É chato... Mas quando tudo dá certo a gente tiramos a forra.
- Êta! Peraí um pouquinho... Pará... Mais aqui... Pronto! Vai, fala...
- Então... Aí no dia seguinte, enquanto faz meu café a Nega canta que é uma beleza, faz festa no menino, essas coisa...
- ...Que tu é homem de saber fazer mulher ficar feliz...
- É... Aí essa semana o Uoxinto começou na escolinha e tem dormido cedo, cansadinho o bichinho. Às vez eu chego do trabalho e ele já tá lá
conversando com os anjinho do céu, no maior ronco...
- ... e tu e a patroa em lua-de-mel...
- É... Mas aí é que ficou estranho, porque a Nega não se ri, não tá cantando de manhã...
- Ih!...
- Um sujeito pode ficar com o coração calmo com uma coisa assim?
- Te entendo, te entendo...
- Acho que ela anda com saudade dos tempo de que era rainha da roda lá prás bandas da Boca... Tu lembra como a Nega dançava bonito? Todo mundo parava prá ver, dava gosto... Depois que a gente juntamos os trapo, nunca mais... Eu nem num pedi. Ela mesmo que num teve mais ânimo praquilo. Mas acho que agora tá sentindo falta... Quer brincar um pouco... Fica o dia inteiro socada dentro de casa, cuidando de panela, roupa e menino, tadinha... Às vez eu tenho pena... Fico pensando em levar ela prá dar uma volta na Boca, rever os amigos, dançar um bocado...
- Tu tá doido? Perdeu a razão?
- Por quê!?
- Tu num sabe como anda a Boca por esses dias! Aquilo tá cheio de malandro ordinário, mermão.
- É?
- E num é? Gente da pesada. Tu tá me entendendo? Ninguém respeita mais ninguém. Num tem mais aquela coisa do nosso tempo, não. Ó, vou te dar uma idéia, com todo respeito, porque te considero prá caramba, tu é meu irmãozinho e sei que num vai ficar chateado com teu compadre aqui: Nega é mulé jovem ainda, tá bonitona, mesmo depois de ter menino. Tô falando com respeito, hein! Pois tu vai lá mais tua Nega e chega um otário metido a malandro querendo tirar chinfra. Porque tu sabe que aqui todo mundo te respeita. Nega é a mulé do Tonhão e num tem mais assunto. Mas lá... Ah, meu irmãozinho, é tudo diferente. Eles acha que ninguém é de ninguém. Vai por mim: tu vai te aborrecer. Vai entregar o ouro ao bandido. Claro que a comadre vai fazer ouvido de mercador prás cantada barata. Mas o que que um homem como tu ia fazer se passassem a mão na tua Nega? E hoje em dia, neguinho só quer resolver questã no teco.
- É... tu tem razão... Mas como é que eu vou tirar este quebranto da Nega?
- Tu lembra do João Malé, aquele que vendia de um tudo aí pelas vielas? Então, rapaz, de grão em grão a galinha enche o papo. Ninguém dava nada pelo crioulo e ele guardando seus trocado... Outro dia abriu um bar ali embaixo, perto da Esquina do Pecado. Coisa de muito luxo... Bom gosto que num sei de onde aquele camarada tirou... Pois bem, fui lá outro dia com a Wladislene. Música boa, só casalzinho, bem família... A gente dançamos prá valer... Se divertimos prá caramba e num teve nenhum engraçadinho prá mexer com ela, porque todo mundo tava acompanhado. O maior respeito, percebe? É num lugar assim que tu tem que levar a Nega...
- Será que ela gosta?
- Claro, comadre Nega é mulé fina, sabe o que é bom...
- Isso é mesmo...
- Então... Olha tive outra idéia: Wladislene adora o teu moleque. Mesmo que ela não fosse a madrinha dele ia adorar aquele garoto, porque ele é um menino de ouro...
- Ele é mesmo uma coisa, né? Sabe que outro dia eu cheguei em casa com um agrado prá ele e ele abriu correndo, deixou o brinquedo de lado e ficou brincando com a caixa? Eu pegava o brinquedo, mostrava prá ele, mas ele só queria saber da caixa. O moleque tem opinião que nem a mãe...
- A Wladislene adora o Uoxinto. Eu também tenho o teu menino em consideração de filho. Você faz o seguinte: deixa o garoto com a gente, vai se divertir com a comadre na casa do João Malé e depois... Ah, ah, ah... Tu já viu o novo motel que abriu lá na estrada? O Alemão falou que é coisa de responsa e que é baratinho, quer dizer, dá prá gente pagarmos sem apertar muito, sabe? Tu vai lá, dá um trato na Nega e quero ver se ela canta ou não canta...
- Cês ficam mesmo com o moleque?
- E prá que que serve os amigos? A gente temos que se ajudar, ué...
- Eu acho que a Nega vai adorar...
- Claro!...
- Puxa, tu é mermo um irmão. Num é à toa que a gente te escolhemos prá batizar o menino...
- Ah!... Deixa disso que tô ficando encabulado.
- Vou falar com a Nega...
- E pode deixar que essa eu acerto que tu vai precisar de algum prás tuas investida romântica. Num esquece de comprar umas flor prá ela... Um vestido bonito...
- Tá, tá... Deixa eu ir que tu tá me enchendo de idéia... Valeu, mermão! Té mais...
- Vai pela sombra... Tu tá vendo, Pará, como é que é essa vida? Tu fica aí atrás desse balcão e vê tudo... Se eu não espremo este camarada, no que que num ia dar esse assunto? Eu aqui crente que o papo com a Nega foi só uma coisica à toa e ela já desgostando do Tonhão... Só me faltava essa... Se eu num tomo uma providência, Nega e Wladislene qualquer hora dessa tão descendo esse morro agarradas nos cabelo uma da outra. Essas mulé de hoje em dia tão muito carente, se apaixona por qualquer coisa. Eu, hein!

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