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31.1.02


VIZINHAS


Uma das coisas que mais gosto no meu apartamento é a vista. De qualquer uma das janelas da área social há uma ampla visão. Faz parte dos meus hábitos ao acordar me aproximar de uma delas e dar uma boa olhada no dia, no movimento, respirar a manhã. E entre uma atividade e outra ou simplesmente esperando alguma tarefa terminar de ser executada no computador, volto os olhos para este mundo que me cerca.

Na diagonal direita há um prédio com apartamentos enormes que passam a maior parte do tempo desocupados. Há pouco mudou-se para um deles uma família. Como o apartamento deles é praticamente a mesma altura que o meu, acabo involuntariamente sendo atraída pelo que se passa por lá. Já observei que tenho uma vizinha corpulenta que passa grande da manhã falando ao telefone de camisola à janela.

Ela me faz lembrar de outra que dividia o andar conosco. Devo explicar que nosso prédio tem bom isolamento acústico entre os apartamentos, exceto nas partes que abrem-se para a àrea interna. Do banheiro social ou da área de serviço ouve-se qualquer diálogo ou barulho mais alto que aconteça nas mesmas dependências dos outros apartamentos. Claro que a mesma regra vale para os ruídos que emitimos daqui. E tudo é amplificado pela própria natureza do vão.

E esta antiga vizinha falava o dia inteiro ao telefone na sua área de serviço. Além de sua voz, ouvíamos o trabalho incessante de sua lavadora de roupa, a qualquer hora do dia ou da noite, que ela supervisionava com afinco. O interessante é que moravam ali apenas ela e o marido. Não conseguia deixar de pensar em onde ela arranjava tanta roupa para lavar e também era impossível deixar de ouvir suas histórias.

Um dia, ouvi-a vangloriando-se com alguém ao aparelho por declinar sistematicamente convites para festas e comemorações. E afirmava orgulhosa de si que não faltava a um enterro e que se alguém precisasse de companhia para ir a um consultório médico ou para uma internação era mesmo com ela que podia contar.

Algum tempo depois soube pela porta-voz do prédio que ela estava gravemente doente e que o casal se mudaria. Não pedi detalhes, nem estendi a conversa. Jamais fui fã de futricas de portaria. Além disso, nunca trocamos mais palavras do que recomenda a cordialidade com a vizinhança. Entretanto estava chegando em casa no justo momento em que os dois fechavam definitivamente o apartamento e ela era carregada dali pelo marido. Esta extremamente pálida, com o rosto carregado de rugas que traduziam dores indizíveis. Mas em algum canto de seu semblante vi uma certa luz que me disse que ela estava muito feliz.

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