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5.2.02

Resolvemos tomar um café, daqueles cheios de coisas misturadas, como canela, rum ou toques de pimenta para apurar os sentidos e saborear melhor a conversa.

Para chegar ao local, subimos uma escadaria de madeira. O local ficava no alto de uma colina de onde podíamos ver a vizinhança através de suas paredes envidraçadas. Era dividido em diversos ambientes, decorados com temas distintos, mas sempre no estilo rústico chic. E eu pensei que a escolha havia sido acertada. Aquela sofisticação despojada agradaria AnaGon e um local confortável, onde pudéssemos passar muito tempo proseando, encantaria a Jomara.

Ainda era cedo. As mesas estavam praticamente vazias e podíamos ver uma certa agitação do lado de dentro do balcão e, por cima da porta que se abria como as de saloon em antigos filmes de bangue-bangue para a cozinha, os funcionários acabando de calçar suas luvas brancas e colocando seus chapéus. Não tínhamos pressa e nos acomodamos as três em um bom lugar, olhando vez ou outra displicentemente o cardápio que prometia, além do paladar exótico do café, delícias nos petiscos e sanduíches.

Entretanto demorou demais para que alguém aparecesse para nos servir. Levantei para ir ao banheiro e na volta resolvi ir até o outro salão que estava mais cheio e onde as garçonetes pareciam concentrar sua atenção para ver o que estava acontecendo. Chegando à porta vi que havia ali um enorme bufê onde as pessoas se serviam. Girei sobre os calcanhares para chamar minhas amigas, mas encontrei a porta do ambiente onde elas estavam fechada. Perguntei a uma mocinha uniformizada que passava apressada o que havia acontecido e ela respondeu que os poucos clientes estavam ali haviam sido realocados, porque aquele espaço não seria aberto ao público naquele dia.

O que teria acontecido com minhas companheiras? Fiquei vagando pelas outras salas e não as encontrei. Decidi subir até o ponto mais alto estabelecimento. Era uma espécie de loja separada, com um grande balcão margeado por bancos forrados de couro e algumas bancas espalhadas que expunham guloseimas e artesanato. Do lado oposto, suas portas se escancaravam para a rua paralela àquela pela qual havíamos ingressado. Uma rua de paralelepípedos com casas antigas que ficava bem no topo da colina.

Assim que cheguei e antes que eu pudesse pedir qualquer informação, a loja foi invadida por uma horda de adolescentes suados. Eles vinham acompanhando um bloco carnavalesco e entraram ali para beber alguma coisa refrescante. Pareciam não ser locais. E alguns aproveitavam para fazer pequenas compras típicas de turistas e outros admiravam-se com a vista privilegiada. Era eu a deslocada e decidi sair pelo mesmo caminho que chegara. Fui ainda olhando, tentado achar minhas amigas. Nada.

Do alto da escadaria de madeira pude ver um Galaxi azul pousado junto ao meio-fio. Uma de suas portas estava aberta e sobre ela se apoiavam os braços de Jomara e sobre eles seu queixo. Ela abandonou a pose de enfado quando seus olhos abandonaram o ponto perdido no horizonte que miravam e ela me viu. Acenou jovialmente, me chamando. Apertei o passo e vi que AnaGon estava lá dentro, os braços cruzados duramente sobre o peito, numa visível desaprovação ao meu sumiço e à minha demora. Não reconheci o motorista. Outras pessoas lotavam o monstruoso carro. Havia crianças e outros membros da minha família que não vejo há anos. Alguns com a aparência que tinham quando eu ainda era pequena. Meu pai me olhava com aquela expressão misturando censura e leniência.

- Vamos! Já é tarde!
- Não vai me caber aí...
- Então você vai no estribo. É Carnaval e esta banheira não anda nada mesmo. Segure-se bem!

Não sabia exatamente porque todos pareciam bravos comigo e não tive tempo de explicar o que acontecera. Apenas obedeci.

O carro subia e descia pelas ladeiras e íamos cruzando com diversos blocos. Um deles usava camiseta branca com seu nome e patrocínio da prefeitura. Outro era composto por moças vestidas com maiôs vermelhos, chifres e rabos em seta purpurinados e faziam evoluções com seus tridentes. Em outra rua, vimos um grupo de clóvis e, mais adiante, carrascos jogavam confetes e serpentinas em quem passava. Famílias acompanhavam os filhos fantasiados de baianinhas, piratas, palhacinhos, odaliscas, árabes, trogloditas, ciganas... As bandinhas tradicionais revezavam-se com os tambores pesados. Umas turmas mais animadas valiam-se apenas das mãos para acompanhar as músicas que cantavam.

A noite caía. Eu me equilibrava com facilidade e sentia o vento no rosto. Dividia minha atenção entre a festa e o pôr-do-sol que eu avistava quando chegava no alto das ladeiras. Pensei que deveria guardar cada rico detalhe deste Carnaval para escrever no blog.

E despertei.

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