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2.4.02

Gosto de brincar com expressões que quase não ouço mais. Uma delas é vivo, no sentido de esperto, atento, em alerta. E gosto particularmente desta expressão porque embute uma certa filosofia. Estar vivo é muito mais que arrastar-se pela existência. Para viver realmente é necessário estar vigilante para pescar as preciosidades onde parece reinar o caos.

Assim, dobro e abandono o jornal respingado de sangue do mundo inteiro a abro os ouvidos para o que se passava sob a minha janela. E lá está ele, o rato que ruge.

Todos os dias, em horários pré-determinados passam por aqui caminhões e vans anunciando em seus auto-falantes os mais variados produtos. Olha o carro do pão! Pamonha, pamonha fresquinha! Dois abacaxi por um real!...

Um belo dia surgiu um novo pregão. Era um som mais potente que os outros. Ao invés da voz monótona e entediada, um jingle até que bem gravado, animadinho. Anunciava sorvete e o nome da marca era um deboche: Kyopa.

Por algum tempo, eu apenas ouvia e imaginava um enorme veículo cheio de picolés e casquinhas. Imagina o tamanho do meu espanto quando, ao sair um dia do prédio e ouvir a tal música, comecei a procurar pelo emissor até deparar-me com uma carrocinha mínima de sorvete, ainda menor que as dos concorrentes que seu nome plagia.

Assim, toda vez que escuto o rato que ruge anunciando aos berros a partir de seu minúsculo estabelecimento comercial ambulante, um sorriso me vem aos lábios.

Ouvidos e olhos vivos para capturar a vida das pequenas graças e os pequenos sorrisos, que a morte não precisa de parabólicas: ela explode ruidosamente na imprensa.

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