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6.4.02

A história romântica condutora de O Clone é um pé no saco, ninguém há de negar. Entretanto Glória Perez acertou no timing duplamente ao abordar a cultura muçulmana no exato momento em que a curiosidade sobre ela era imensa e ao falar da clonagem humana no instante em que ela parece deixar de ser ficção científica.

Lembro perfeitamente que foi um drama escalar o elenco do que viria a ser uma das novelas das oito (!?) de maior sucesso dos últimos tempos. Muitos acharam que seria um tiro n'água e ouviu-se todo tipo de desculpa esfarrapada dos atores do primeiro escalão global. Há poucos dias da estréia, o incidente nos EUA fez com que houvesse certa apreensão em relação aos personagens islâmicos. Mas mostrar seus costumes deu tão certo e conquistou tantas simpatias (vide a unanimidade da fantasia de Jade no Carnaval) que a aparição do clone que dá nome a história foi adiada. E esse adiamento foi mais uma sorte, porque quando a cópia finalmente surgiu (infelizmente emoldurado por uma propaganda a favor do estado do Maranhão, claramente pró candidatura de Roseana Sarney) foi anunciado que já estava disponível a tecnologia para a clonagem humana. E agora que os dramas relacionados a ela se desenlaçam, o Dr. Severino Frankstein Antinori anuncia que uma mulher leva no ventre uma gravidez de dois meses de um ser humano clonado.

A autora do folhetim sempre aborda em suas obras uma cultura "exótica", um tema de discussão atual e outro de denúncia. Cito de memória aquela novela cujo nome esqueci com a história dos ciganos (quem pode esquecer o cigano Igor?) que também chamava a atenção para as crianças desaparecidas. Ela também já falou sobre transplantes de órgãos, mães de aluguel e o sub-mundo das boates cariocas (bem de leve, claro).

Entretanto nada que eu vi na televisão brasileira, seja em ficção ou em campanha institucional, chega perto da beleza de trabalho que está sendo feito em O Clone no tocante ao uso de drogas. Sempre olhei com estranheza para campanhas muito bem intencionadas mas pouco efetivas, como aquela que encheu a cidade com as letras do Ziraldo afirmando que "droga é uma merda". Alguém precisava ter a coragem de dizer que droga é muito bom e é por isso que vicia. Faltava que alguém dissesse que o problema é a roleta russa que é entrar neste mundo sem se saber se há a tendência para o vício. Felizmente em horário nobre alguém levanta a lebre que há muito usar drogas deixou de ser um ato de rebeldia para se tornar uma inclusão total no sistema e que o seu barato fomenta o tráfico e a violência que todos repudiamos e tememos.

Tenho achado muito interessante as cenas em que um dependente crônico conversa com seu analista enquanto as imagens de uma jovem que envereda por este caminho passa pelas mesmas experiências que ele viveu. Acho dispensável os depoimentos verídicos, mas faz parte do estilo da autora (que já levou as mães lacrimosas da Cinelândia para a tela da Globo e ajudou a encontrar algumas crianças desaparecidas). Tenho que deixar registrada a admiração pela abordagem do desespero dos pais, que ficam sem saber como se comportar diante da descoberta do uso de drogas pelos filhos e a mensagem de que isso não acontece só com os filhos dos outros, por causa das más companhias. Quebrou-se o tabu de o drogado ter que ser o vilão da história, como há uma tendência para que os homossexuais parem de aparecer como bichas afetadíssimas e os negros como serviçais domésticos. Os dependentes podem ser pessoas como as que eu e você conhecemos e gostamos, nesta história e na vida real.

É lógico que uma novela não tem o poder de mudar uma situação tão complicada. Mas abre espaço para uma discussão ampla sobre o tema e a possibilidade de se falar com mais sinceridade e realismo de um problema sério e preocupante.

PS1: Sou a favor da legalização. Acredito que muito mais se matou ou morreu com a proibição do que com vício propriamente dito. Deve haver tratamento e conscientização sobre os prejuízos causados pelo uso de drogas, mas o Estado não deve ser responsável pelas escolhas do cidadão.

PS2: Odeio a palavra adicção e seus derivados.

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