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16.8.02

Uma conhecida me conta do falecimento do pai.

A filha dela estava passando a noite na casa dos avós e presenciou o momento em que o corpo foi encontrado. A menina pergunta sem parar se avô está mesmo morto. Por dias. A irmã mais nova escuta atenta todas as explicações. Ela entende direitinho que agora o vovô está descansando, que já não precisa mais de cadeira de rodas, nem de balões de oxigênio, que ele está num lugar muito bonito e em paz. Ela sorri e parece satisfeita porque o vovô está bem. Ato contínuo pergunta quando ele volta.

A mãe tem um olhar triste. Parece cansada demais até para se desesperar. Reclama, um pouco tomada pela culpa, que não agüenta mais ter que lidar com as questões práticas, apoiar a mãe emocionalmente, ajudar as crianças na digestão da primeira morte de alguém muito querido delas.

A primogênita implica com alguma coisa na escola e firma pé que não quer mais freqüentar aquele estabelecimento. A mãe compreende o sentimento da filha. Ela também tem tido fantasias sobre meter a mão na maçaneta, ganhar o mundo e só voltar no ano que vem.

Além de suas lágrimas no ombro da blusa, fiquei com a maçaneta retumbante.


Poema de Sete Faces
(Carlos Drummond de Andrade)

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.





Para que disfarçar colocando meu nome no masculino?





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